Matéria

Mulheres que florestam o mundo 

O que as árvores têm a ver com essa mudança no clima? 

Neste dia da árvore não podemos deixar de falar sobre o desmatamento, um problema mundial que tem afetado o clima e impactado a vida de pessoas em diferentes regiões. Nas últimas semanas foram noticiadas ondas de calor pelo mundo todo, inclusive no hemisfério sul, que ainda está na estação de inverno. Chuvas volumosas têm causado estragos em diferentes locais do planeta e a terra está nos avisando: precisamos agir para a sobrevivência da humanidade e de todos os seres vivos.

 

A importância das florestas no equilíbrio do clima

As florestas, que são compostas por diferentes espécies arbóreas, são fundamentais para o equilíbrio da temperatura do planeta e estão diretamente ligadas com o ciclo da água. A evapotranspiração, processo que as árvores liberam vapor d’água para a atmosfera, é fundamental para a regulação das chuvas, e por isso o desmatamento pode gerar secas e queimadas em algumas regiões. O aumento da temperatura atmosférica também faz com que haja uma maior evaporação dos oceanos que também favorece a formação de nuvens e consequentemente das precipitações. As árvores também são um mecanismo de defesa nos casos de enchentes, suas raízes contribuem com a absorção da água e com a firmeza do solo, por isso as encostas arborizadas têm menos riscos de sofrer deslizamentos com os grandes volumes de chuva. 

Mesmo sabendo dos diferentes benefícios que as árvores nos proporcionam, atividades humanas, como a mineração, a monocultura, a agropecuária e as queimadas ainda são responsáveis pelo desmatamento desenfreado. De acordo com os dados da Universidade de Maryland disponíveis na plataforma Global Forest Watch (GFW), do World Resource Institute, o Brasil é o país com a maior perda de florestas primárias tropicais: apenas em 2022, foi responsável por 43% do total global.

Você sabia que mulheres negras e indígenas são as mais afetadas pelas consequências da crise climática? Hoje, vamos te contar histórias de lideranças negras e femininas que criaram centros de reflorestamento nas áreas periféricas onde vivem, no Brasil ou no Quênia.

 

Lourdes Brasil: reflorestamento no Centro Gênesis, na Baixada Fluminense

Apesar desse contexto, temos exemplos inspiradores que nos fazem ter esperança na restauração de biomas tão importantes para nossa sobrevivência. Trazemos aqui o caso da Lourdes Brasil, uma mulher negra, brasileira, nascida na Baixada Fluminense, é economista, PhD em Ecologia Social e fundadora do Centro de Educação Ambiental Gênesis. Uma de suas ações mais importantes foi a interrupção do processo de degradação e a recuperação da cobertura vegetal, que constitui atualmente um laboratório vivo e também é espaço de atividades de educação ambiental. O laboratório vivo está instalado em um ambiente físico, no município de São Gonçalo, no Rio de Janeiro, e corresponde a uma área verde de 60.000 m², composta por espécies da Mata Atlântica. O local constitui um patrimônio paisagístico, que inclui cerca de 300 árvores nativas do Brasil, ipês de diversas cores, espécies frutíferas e ornamentais.

É importante lembrar que a Mata Atlântica é o bioma mais devastado do país, com apenas 24% da sua cobertura vegetal original conservada. Ela abrange cerca de 15% do território nacional, em 17 estados, é lar de 72% da população brasileira e é responsável por metade da produção de alimentos consumidos no país. Além disso, a Constituição Brasileira de 1988 reconhece a Mata Atlântica como Patrimônio Nacional e é o único bioma brasileiro protegido por uma lei especial, a Lei da Mata Atlântica, que dispõe sobre sua proteção e uso de sua biodiversidade e recursos (Lei n° 11.428, de 2006). 

O trabalho do Centro Gênesis liderado por Lourdes Brasil é um exemplo de como a proteção ambiental pode ser aliada com a educação e formar indivíduos atentos e preocupados com essa questão. Mesmo localizado na região metropolitana do Rio de Janeiro, que é densamente povoada, e com diferentes desafios relacionados às desigualdades sociais, o Centro possibilita a manutenção de um microclima que atenua as ilhas de calor característica dos grandes centros urbanos. 

 

Wangari Maathai. Wangari: reflorestamento no Quênia

Atravessando o oceano atlântico e chegando no leste do continente africano, encontramos outro exemplo marcante de reflorestamento no Quênia, com a história da bióloga Wangari Maathai. Wangari tornou-se a primeira mulher no Leste e Centro da África a ter o título de PhD, e fundou o The Green Belt Movement (Movimento do Cinturão Verde, em tradução livre) em 1977. Diante das secas e dificuldades da população em produzir alimento, ela criou este movimento para formar e empregar pessoas das comunidades quenianas no plantio de árvores. Além de diferentes prêmios e quatro livros publicados,  Maathai recebeu o Nobel da Paz em 2004 e, até o dia em que faleceu em 2011, havia mais de 47 milhões de árvores plantadas pelo programa que criou. 

Sabe-se que as mulheres negras e indígenas são as mais impactadas pelos eventos extremos causados pelas mudanças climáticas e que a crise climática é uma crise injusta e atravessada pelo recorte de gênero e raça. Diante da urgência para criarmos ferramentas de enfrentamento à emergência climática, o plantio de árvores, combinado com ações sociais, é uma estratégia fundamental para nossa sobrevivência, e muitas mulheres pelo mundo são protagonistas dessas ações que nos trazem esperanças. Deixamos aqui nossa homenagem a essas e outras mulheres que florestam o mundo e lutam pela justiça climática em seus territórios. 

 

Julia Rossi

Biofísica, Doutoranda em Geografia na PUC Rio e integrante da equipe de comunicação do ISER. 

 

Referências: 

https://www.sosma.org.br/causas/mata-atlantica/ 

https://www.gov.br/mma/pt-br/assuntos/ecossistemas-1/biomas/mata-atlantica 

https://www.revistaea.org/artigo.php?idartigo=4376 

http://www.centrogenesis.com.br/about.html 

https://www.camara.leg.br/proposicoesWeb/prop_mostrarintegra?codteor=645180 

https://brasil.elpais.com/brasil/2018/02/26/politica/1519672164_945082.html

https://brazil.unfpa.org/sites/default/files/pub-pdf/unfpa_climate_change_brief_-_portuguese.pdf 

http://crioula.net/2022/05/2256/v

Uma nova narrativa evangélica inclui também uma nova narrativa ambiental.

“Abacateiro, acataremos teu ato

Nós também somos do mato como o pato e o leão

Aguardaremos, brincaremos no regato

Até que nos tragam frutos teu amor, teu coração”

 

Como os evangélicos pensam sobre as questões ambientais? Esta é uma pergunta complexa, já que os evangélicos não são uma massa homogênea e existem diversos jeitos de ser crente. 

Segundo pesquisa realizada pela agência Purpose, com 2.000 evangélicos em todo o país, cerca de 77% dos crentes gostariam que sua igreja apoiasse atividades ambientais. O cuidado com a criação é, no geral, uma preocupação de pessoas de fé cristã. Mais do que isso, pessoas evangélicas também são vítimas de 

Recentemente, no podcast Casa de Muitas Janelas, contamos a história da Igreja Batista de Coqueiral, uma comunidade evangélica que sofreu o peso da emergência climática nas inundações de Recife em novembro de 2022. O espaço da igreja foi invadido pelas enchentes e, nesse processo, perdeu-se grande parte dos equipamentos. Mas mesmo durante a crise, o lugar que inundava serviu como um lugar de acolhimento para as pessoas da comunidade que estavam sendo vítimas das enchentes e já não tinham onde passar as noites de terror. Foram dias de trabalho voluntário, organização de doações, atendimento médico e psicológico para apoiar as famílias no momento que foi uma espécie de fim do mundo para muitos.

Cristianismo e mudança climática

O caso de Coqueiral mostra que uma experiência evangélica engajada com a perspectiva socioambiental é possível. Mais do que possível, é urgente. A mudança climática tem abreviado os dias de comunidades inteiras por todo o mundo. A poluição da terra, do ar e das águas tem gerado intensas consequências para a saúde do nosso povo. 

Um compromisso profundo com o Cristo de Nazaré, que nos ensinou a olhar e admirar as aves e as flores, deve considerar a preservação ambiental, aqui e agora. O modelo capitalista e predatório de produção, que escraviza a terra e as águas, com o garimpo ilegal e grilagem de terras, está longe do ideal do Reino de Deus.

A espiritualidade das florestas tem muito a nos ensinar

No final de julho, participei da imersão na Amazônia com a CreatorsAcademy, uma plataforma que conecta pessoas produtoras de conteúdo aos biomas brasileiros. Foi a primeira vez que eu, criada no interior mas vivendo a cidade, pude adentrar a floresta amazônica. Ficamos uma semana em comunhão com o povo indígena Puyanawa, que vive na região do Juruá, no Acre. Até 1950, os Puyanawa foram escravizados pelo coronel Mâncio Lima, em um processo de intensa violência, separação de famílias e colonização que levou à perda de parte da cultura indígena. Na retomada, guiados pela espiritualidade, o povo indígena resgata a raiz forte que não se perdeu, que se encontra a cada canto, pintura, vivência aprendida e a cada árvore plantada.

Dentro da floresta, encontrei uma espiritualidade que está para além dos templos religiosos. Uma espiritualidade ancestral que se revelou aos povos indígenas por milhares de anos e que tem sido resgatada quase como um milagre. Encontrei, inclusive, pessoas indígenas evangélicas que retomam a cultura e afirmam que nunca vão deixar de ser indígenas por serem evangélicas.

Enquanto caminhávamos com Cíntia Flores, uma mulher indígena que construiu uma pousada na região ribeirinha do Rio Crôa, encontramos a Sumaúma, também chamada de “árvore da vida” ou “criadora do mundo” pelos povos amazônidas. Entendi o significado do salmo que diz que o justo é como a árvore plantada junto a um ribeiro de águas. Povos indígenas são raízes fortes de justiça. 

Na floresta, ouvi de perto o canto de alegria das árvores da floresta, como escrito na Bíblia:

“Regozijem-se os céus e exulte a terra!

Ressoe o mar e tudo o que nele existe! Regozijem-se os campos

e tudo o que neles há!

Cantem de alegria todas as árvores da floresta”

– Salmos 96:11-12

Lutemos pela floresta de pé

Manter a floresta de pé é um desafio. Um mês depois de nossa passagem pela Aldeia Puyanawa, soubemos que parte da floresta no território Ashaninka, na mesma região, estava sendo queimada. 

A destruição da Floresta Amazônica chegou a 10.362 km² em 2021, o que equivale a metade do estado de Sergipe. O que acontece na floresta impacta na cidade, com as mudanças climáticas que sentimos em todo país, nas secas e enchentes, nas epidemias, nos problemas respiratórios.​

As queimadas, o garimpo ilegal, o desmatamento para criação de pastos colocam em risco a vida de pessoas, animais e toda a biodiversidade. Dezenas de comunidades indígenas, inclusive isoladas, estão ameaçadas pelo avanço da mineração em suas áreas, sofrendo ameaças, violência e contaminação. 

Diante disso, como cristãos devem pensar sobre as questões ambientais?

A floresta está nos planos de Deus. A floresta faz parte de nós. A floresta está dentro de mim. Temos muito a aprender sobre os planos de Deus para o mundo com os povos da floresta.

“De cada lado do rio estava a árvore da vida, que frutifica doze vezes por ano, uma por mês. As folhas da árvore servem para a cura das nações.” – Apocalipse 22:2

Erga a voz diante dos oprimidos!

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Luciana Petersen é cristã progressista, feminista negra, coordenadora de comunicação do Institutos de Estudos da Religião (ISER), coordenadora do Novas Narrativas Evangélicas, editora do Projeto Redomas, podcaster no Toda Gente e Redomascast.

O saber ancestral da vida moderna

Bacana ver como as pessoas sentem saudade daquilo que foi bom. Quando é negativo, automaticamente o nosso ori – cabeça em yorùbá – trata de esquecer. Sou Joaquim D’Ògún, Babalorixá do Ilê Axé Meji Omi Odara, em Saracuruna, Duque de Caxias, jornalista e escritor da obra Eu, Você e os Orixás. Vamos conversar sobre a nossa alimentação atual e a valorização daquilo que sempre existiu na formação do povo periférico?

Acho interessante o termo utilizado para qualificar os alimentos produzidos no quintal de nossos mais velhos. As tecnologias ancestrais vão de encontro com aquilo que foi apagado pelo próprio sistema através do capitalismo. Ou sua avó não plantava nada em algum espaço da casa?

Terminei os dois primeiros parágrafos com questionamentos, básicos, para deixar claro que existem perguntas que você finge não entender ou que nunca parou, de fato, para pensar.

A nossa saúde debilitada está atrelada a quantidade de agrotóxico utilizado no plantio dos alimentos que consumimos. A falta de preparo da terra viabiliza poluentes prejudiciais ao seu sistema imunológico.

O ar que respiramos oxigena o cérebro. A água dá fluidez ao sangue que corre em suas veias. Por isso a necessidade de saneamento básico, por exemplo. A ausência mata você por dentro. E nem adianta acordar cedo para respirar melhor, como diziam os mais velhos, pois a neblina encontra um solo poluído, fazendo com que o trabalhador inale isso todos os dias em sua longa jordana até o trabalho.

Dentro do candomblé, culto afro-brasileiro existente em nosso país, exaltamos a força do Orixá, que é a natureza. Não, Orixá não é um espírito. Seus ancestrais, familiares ou não, é que almejam a continuidade de sua crença, fazendo com que informações e ações, levem seus consanguíneos até esse encontro energético.

A citação acima é para dizer que: sim, cuidamos da natureza. Os erros cometidos por alguns adeptos, se dá pela falta de conhecimento acerca do que era realizado pelos seus antepassados.

A importância das folhas para o culto é como o glóbulo branco para o seu corpo. Sem elas não há medicina e possível cura. Sua avó cuidou de seus pais com muita taioba, folha construída por carboidratos. Uma espécie de carne vegetal, dada qualidade de seus nutrientes. Tal como o fubá de milho e sustância que ele traz para o corpo, na batalha diária contra a fome. Na África, inclusive, o ekó – canjica de milho branco – e o inhame cará, são os alimentos mais consumidos pela população.

Os itens que trago, assim como outros que poderia citar, eram e, são, essenciais na vida de uma pessoa. Hoje em dia, por conta do capitalismo, cidadãos em situação de vulnerabilidade não reconhecem o valor dessa alimentação viável.

A gente só lembra da abóbora no halloween, mas ela é tão simples de ser plantada que assusta. Os grãos se proliferam pelo chão e dão fibra para o seu corpo. Os índices de anemia não eram baixos atoa. O grão de feijão e demais legumes tinham valia diante da família. 

O que falar do ovo, rico em todas as proteínas. Toda casa tinha sua pequena criação de galinha para que fosse possível consumir esse precioso alimento. Assim como a carne, geralmente degustada no fim do ano, em período festivo de natal e ano novo.

As hortas orgânicas, totalmente necessárias para essa valorização dessas técnicas ancestrais, nos faz pensar onde isso se perdeu. A poluição dos mares impede a pesca nos rios e simples valas, onde as crianças brincavam, por exemplo.

A falta de zelo humano com a natureza desqualifica o que nos mantém vivos, mesmo que nossa saúde prejudicada faça com que pareçamos mortos, internamente. Será preciso mais do que hortas para reativar essa memória alimentar presente em cada um de nós. Políticas de conscientização e preservação de espaços verdes facilitarão que a história ancestral de povos originários e negros não adoeçam ainda mais, como o nosso organismo.

Enquanto isso não ocorre, a renúncia pelo cuidado e preservação é valorizada como tecnologia ancestral pela elite, que comercializa os produtos orgânicos a peso de ouro nas feiras livres.

 

Joaquim Azevedo é Babalorixá do Ilê Àse Meji Omi Odara, Ativista Sociorreligioso, Escritor, Fotojornalista e fundador do movimento de retomada Aquele Axé.

A Campanha Amazônia de Pé e a importância da Fé para a mobilização

 

 

“A Fé sem obras é morta” alguns versículos da Bíblia Sagrada como esse, de forma muito clara e direta, ou através de parábolas e histórias sempre orientaram em mim a construção de uma Fé que move, não apenas montanhas, mas ações que levam a mudanças de paradigma. Lutar pela justiça e combater as iniquidades é um princípio bíblico.

Quando ainda muito pequena eu entendi que a nossa casa comum, morada nessa dimensão e planeta criado pelo criador para seus filhos e filhas estava sob o risco de mudanças desordenadas que poderiam levar à morte e destruição dos seus próprios seres, presumi que qualquer pessoa de Fé deveria se mover para a ação. Porém, descobri que o que deveria ser uma pauta de misericórdia e obediência se transformou em uma guerra política-ideológica;

A quem interessa a destruição das florestas que nos fornecem fôlego de vida e rios de água viva ? perceber que para muitos, para os mais poderosos, o lucro esteja acima da vida me fez pensar que temos duas opções, observar e ver o mundo que conhecemos cair em ruínas ou se mover com táticas e estratégias organizadas que mobilizem pessoas para a ação. Essa foi a minha escolha, afinal, de que me serve uma fé que não gera mudanças?

Perceber o lugar de conciliação entre minha Fé e ativismo ao longo dos últimos oito anos me fez acessar espaços e construir projetos de impacto que tem como principal objetivo a descentralização do debate ambiental e a construção de justiça climática, afinal, assim como as boas novas, informações importantes devem ser espalhadas e chegar em especial, a quem elas mais interessam, nesse caso, as populações que têm sido mais afetadas pela crise climática, onde eu como mulher negra e periférica, amazônida do nordeste brasileiro também me enquadro.

Para construir ações que gerem transformação tem que fazer acreditando, e é assim acreditando, que eu tenho feito parte da construção da Amazônia de Pé, um movimento brasileiro de proteção da Amazônia e seus povos. Dentre os principais objetivos da Amazônia de Pé estão a construção de um Projeto de Lei de Iniciativa Popular pela proteção das Florestas Públicas da Amazônia e a construção de uma maioria climática no Brasil, um grande movimento que tem mobilizado milhões de brasileiros e brasileiras a agir em defesa das nossas florestas, pessoas e seres que nela habitam. 

Construir um projeto que envolva milhares de pessoas, de pequenas crianças do interior de São Paulo até anciãos de aldeias na região do Xingu faz perceber que o fazer acreditando perpassa em muitos momentos por manter a crença, fé, espiritualidade e a esperança, porque é isso que na maioria das vezes nos impede de desistir e permanecer acreditando mesmo quando os cenários políticos enfraquecem e desmobilizam o movimento e geralmente são nas bases que as maiores demonstrações dessa força são observadas. 

Ao longo de um ano de Amazônia de Pé estivemos em atividades religiosas em quilombos na ilha do Marajó, no acampamento indigena Terra Livre em Brasília, presentes na Romaria da Floresta que relembra o assassinato da Irmã Dorothy, em Anapu, no Pará, no encontro anual do Fé no Clima no Rio de Janeiro, nos festejos do Çairé em Alter do Chão, na Conferência do Novas Narrativas Evangélicas em São Paulo e outros espaços onde Fé e luta se encontram e se transformam em esperança. 

A força do coletivo é o que tem feito  a mensagem da Amazônia de pé se espalhar, ganhar fôlego e vingar em tantos lugares do Brasil. Um movimento que não se propõe como religioso mas que dialoga com diferentes movimentos por um objetivo em comum, celebrando as culturas e reforçando a importância da pluralidade. Afinal, independente da crença é de comum acordo que provavelmente nós somos a última geração que pode salvar a Amazônia. 

Queremos que cada vez mais pessoas, instituições e coletivos acreditem que falar e agir pela Amazônia é também um exercício de Fé, uma fé viva que gera e nutre mudanças. Por isso, o convite final dessa leitura é para que mais pessoas e instituições façam parte desse movimento, construindo com as mais de 21 mil pessoas e quase 300 organizações que fazem parte desse movimento a virada pela Amazônia que o Brasil precisa, levando esperança e oportunidade de ação pelas redes, rios e ruas do Brasil.

 

 

Karina PenhaGestora de Mobilização da Amazônia de Pé 

Maranhense, Bióloga, socioambientalista e ativista pela justiça climática. Gestora de Mobilização da campanha Amazônia de Pé no NOSSAS. Articuladora na Organização de Jovens Engajamundo onde coordenou o Grupo de Trabalho sobre Mudanças Climáticas e três delegações de jovens nas Conferências de Clima da ONU. Parte da iniciativa Uma Concertação pela Amazônia e colaboradora das redes Fé no Clima, PerifaConnection, Colabora Moda Sustentável e comunidade de Prática em Gênero e Clima do Observatório do Clima.

Saúde Mental e Mudanças Climáticas

Era 1955 quando o poeta recifense, João Cabral de Melo Neto, publicava sobre as migrações impostas pela Injustiça Climática, mesmo que ainda não tivesse esse nome. Em “Morte e Vida Severina”, guiado pelo rio Capibaribe, o protagonista é atravessado pela presença constante da morte que, diante da narrativa, lhe parece uma alternativa ao sofrimento. Em seu cerne, trata-se de um enredo sobre Saúde e Clima, mesmo que, mais uma vez, não tivesse esse nome.  

Na história que percorre séculos, Severino é marcado por uma existência social e física, pois ocupa espaços que o carregam de significados. Da mesma forma, funcionamos nós, seres humanos não fictícios. No texto a seguir, que começa de forma retrospectiva, na década de 50, precisamos falar de problemas que continuam atuais, mas que ainda não ocupam o centro das discussões sobre a garantia de direitos: os impactos das mudanças climáticas na saúde mental. 

De acordo com a OMS, Saúde Mental é um estado de bem-estar que permite que as pessoas desenvolvam habilidades, lidem com momentos desafiadores da vida, trabalhem de forma produtiva, e contribuam para a sua comunidade. Mas, o conceito tem um significado plural e precisa considerar dimensões sociais, econômicas e políticas, por exemplo, como fatores que sustentam esse estado. Portanto, a Saúde Mental pensa um ser humano contextualizado, com uma existência mental que nasce da sua interação com o mundo. 

Dessa forma, nosso texto pretende entender a crise climática enquanto cenário que gera sofrimento, uma vez que tem impacto direto no acesso a recursos fundamentais à vida. É importante pontuar que, apesar de passar por períodos de resfriamento e aquecimento, o planeta enfrenta um processo diferente, acelerado pelas emissões dos gases de efeito estufa. Nos últimos 200 anos, a temperatura média global sofreu um aumento de aproximadamente 1,1º C, o que no passado, levaria de milhares a milhões de anos para acontecer. 

Na saúde, de forma geral, as mudanças do clima vão afetar a forma com a qual as pessoas vivem e morrem, porque as manifestações do aumento da temperatura global, como as chuvas ou secas intensas, tem impactos na segurança alimentar e hídrica, na propagação de doenças, na poluição do ar, entre outros. 

Na saúde mental, as consequências são muitas. Estudos sobre o comportamento em modelos animais, utilizam o aumento da temperatura ambiente como forma de gerar estresse em ratos de laboratório. Já em 2017, pesquisas apontaram a relação entre as ondas de calor e comportamentos de automutilação, ou hospitalizações por questões psiquiátricas, em humanos. Dentre aqueles que são afetados pelas temperaturas crescentes, as mulheres têm maior probabilidade de desenvolver dificuldades em saúde mental, em função de vulnerabilidades que aumentam sua susceptibilidade a condições relacionadas às mudanças climáticas.

Também, as destruições causadas pela emergência do clima, como os danos à estrutura pública e privada, ao armazenamento de recursos, ou as quedas de energia, levam a lesões físicas, ao trauma e ao isolamento, além de ameaçarem direitos à moradia digna e ao transporte público. 

Nesses casos, as pessoas passam pelo luto relacionado ao desligamento de algo ou alguém que  era significativo. Nas inundações, as pessoas estão sujeitas às perdas, mas também, ao medo de novos e mais intensos lutos, afinal, a crise climática tende a aumentar a incidência de eventos extremos. Diante dessas ameaças, se vê uma crescente no número de pessoas que vivem em estado de ansiedade, que respondem a um mundo em que as ações ainda são insuficientes para limitar o aquecimento a temperaturas recomendadas.

Em 2003, o termo solastalgia veio para acolher os sentimentos das vítimas dos cenários de degradação ambiental. Ele fala sobre os transtornos psicológicos que resultam de mudanças destruidoras do território, em função, dentre outras coisas, da mudança climática. Trata-se de um sentimento de violação do “seu lugar no mundo”, e, consequentemente, da sua identidade. 

Recuperando a ideia de Justiça Climática que marca a história dos “Severinos” em todo o mundo, é importante pontuar que as consequências da emergência climática são influenciadas pela interação entre a forma em que a sociedade se organiza e os eventos ambientais. Portanto, sofrem impactos mais intensos, populações que já são marcadas por sofrimentos sociais, sofrimentos que tem origem nas situações de injustiça, e que se escondem em contextos de negligência com a população.

Por isso, em 2023, João Cabral de Melo Neto se faz contemporâneo e, ao contar a história de um retirante, conta também a história das milhares de vítimas das chuvas de 2022. Fala das pessoas forçadas a saírem de suas casas, em Pernambuco; das enchentes no Sul da Bahia e das recentes inundações na Região Norte do país. 

 

Referências:

 

BERRY, H. L. et al. The case for systems thinking about climate change and mental health. Nature Climate Change, v. 8, n. 4, p. 282–290, abr.  2018. 

 

Da solastalgia à alegremia | Movimento Mundial pelas Florestas Tropicais. Disponível em: <https://www.wrm.org.uy/pt/artigos-do-boletim/da-solastalgia-a-alegremia>. 

 

Precisamos falar sobre a saúde mental das mulheres e as mudanças climáticas. Disponível em: <https://www.empoderaclima.org/pt/base-de-dados/artigos/precisamos-falar-sobre-a-saude-mental-das-mulheres-e-as-mudancas-climaticas>. 

 

STEFFENS, S. R. DESASTRES NATURAIS: ASPECTOS PSICOLÓGICOS E TRANSTORNO DE ESTRESSE PÓS-TRAUMÁTICO ORIUNDOS DE UMA INUNDAÇÃO. Anuário Pesquisa e Extensão Unoesc São Miguel do Oeste, v. 3, p. e19667–e19667, 30 out. 2018. 

 

WERLANG, R.; MENDES, J. M. R. Sofrimento social. Serviço Social & Sociedade, p. 743–768, dez. 2013. 

 

Nome do Autor: Amanda Suarez

Mini Biografia: Estudante de Psicologia e ativista climática, engajada em projetos sobre saúde, clima e juventudes.

Presente de Yemoja Sustentável: um caminho para sustentabilidade.

As religiões que possuem como origem os Povos tradicionais de Matrizes Africanas (POTMA) tem como elemento primordial a preservação e conservação dos espaços naturais sagrados. No Brasil, os saberes e fazeres ancestrais, ou seja, a cosmovisão desses povos fora preservada nas Unidades Territoriais Tradicionais (UTT) também conhecidas como Terreiros, Abassás, Kwes, Ilê asé entre outros.  A diversidade de tradições dos potmas torna ainda mais desafiadora e complexa essa relação territorial. De modo geral as religiões afro-brasileiras possuem a crença que exista uma energia vital única em cada ser vivo ou elemento constituinte da natureza. Esse conceito tradicional é chamado de Axé (Asé). O Axé pode ser compreendido como a partícula divina, sendo esse o princípio que une e transpassa a todas as religiões afro-brasileiras.    

Os espaços naturais sagrados são considerados altares naturais, locais que funcionam como fonte originária do Axé. Cada ambiente possui uma determinada função e propriedade específica de manutenção e renovação do Axé contido em cada ser vivo.  Os  principais espaços naturais utilizados pelos potmas são os Mares, Mangues, rios, encruzilhadas, montanhas, feiras livres, mercados, bosques, estradas etc..  A não utilização desses espaços, assim como elementos que não pertencem ao mesmo ou interferem na dinâmica natural do ambiente como sujeiras, poluição, desmatamento, lixo, queimadas, interferem diretamente na manutenção das tradições religiosas dos potmas. 

O mar/praias são os espaços naturais mais utilizados por esses povos tradicionais, por se tratar de um local de resgate, purificação e interseção entre o território atual (Brasil)  e o continente africano.  No Brasil a maior festa popular que possui como origem as tradições africanas são os festejos dos Presentes à Yemoja. A divindade Yemoja é considerada a Rainha do Mar apesar de ter o domínio sobre as águas dos rios em sua cidade natal. 

 Tradicionalmente os presentes são feitos e organizados pelos potmas, em alguns locais possuem forte participação dos pescadores, marisqueiras e outros povos tradicionais. Em sua maioria essas devoções são motivadas pelos agradecimentos de uma boa pesca (pelos pescadores) e por inúmeras graças obtidas pela misericórdia da divindade Yemoja.  A poluição dos mares impacta diretamente aos festejos a rainha do mar, assim como todos os povos tradicionais que dele sobrevivem. 

Compreendendo a necessidade do resgate tradicional das festas dos Presentes de Yemoja e entendendo que esse evento pode contribuir para uma mudança geral no paradigma ambiental para toda a sociedade, nasce o Presente de Yemoja Sustentável.  Esse presente tem como objetivo conscientizar os potmas assim como todos os participantes do evento que podemos fazer a manutenção da nossa fé (Axé) sem poluir os espaços naturais sagrados.  Esse presente é feito apenas como produtos naturais, substituindo os objetos, recipientes e outros elementos industrializados por peças artesanais produzidos pelas Utts que possuem como matéria prima apenas materiais orgânicos. 

 O primeiro Presente de Yemoja Sustentável ocorreu no ano de 2020, na praia do Recôncavo em Sepetiba, Rio de Janeiro-RJ.  Esse presente ocorreu graças a comissão organizadora do Presente á Yemanja em Sepetiba que é realizado no segundo domingo de fevereiro desde  o ano de 1994.  O evento já orientava seus participantes a não utilizarem garrafas de vidro como medida para minimizar os impactos ambientais proporcionado pelas oferendas ofertadas durante o evento.  No ano seguinte, entendendo a importância social, ambiental e educacional que o evento pode ter, a comissão organizadora cria uma coordenação específica voltada para assuntos ambientais, convidando o idealizador do Presente de Yemoja Sustentável a integrar oficialmente ao evento. A partir do ano de 2021 apenas oferendas sustentáveis foram direcionadas ao mar.  

O Balaio Cerimonial Sustentável ofertado a divindade Yemoja é composta por uma boneca feita de palha de milho (coletada nos mercados e feiras da região). Esse material natural também é facilmente encontrado nos terreiros, pois compõe um dos pratos tradicionais dedicados a divindade da prosperidade, o Orixá Oxóssi. Esse orixá é um dos filhos de Yemoja, logo sempre presente ao redor de sua mãe. 

Outro objeto importante que compõe essa oferenda é o abebé (Espelho de mão) que em sua maioria é produzido de plástico, metais, vidros ou papelão revestido de tecidos industrializados. Esses materiais poluentes, que contribuem para poluição dos mares, principalmente pela problemática dos microplásticos, são substituídos por taliscas de mariwo (nervura das folhas de dendezeiro) e trabalhados artesanalmente com palhas da costa. O abebé sustentável não utiliza o espelho em sua composição, por entender que esse objeto simbólico pode cortar e poluir ainda mais a casa dos irmãos marinhos. 

Os vidros de perfumes industrializados presentes nas oferendas, são substituídos por Omi eró ( Águas de ervas aromáticas ) que tradicionalmente são utilizadas as divindades iyagbás ( mulheres). A erva Colônia, makasá e principalmente o manjericão branco são as principais ervas utilizadas. Esses vegetais trazem consigo o Axé da calma, equilíbrio, e boas vibrações para as pessoas que as utilizam.  O cesto de vime que é utilizado para armazenar todos os elementos da oferenda, representando o “corpo” é ressignificado a partir de um balaio de folha de coqueiro, outro vegetal tradicional muito utilizado pelos potmas. 

Os pentes, sabonetes e garrafas de champagne que são ofertados para a rainha do mar são substituídos por alimentos tradicionais como frutas e comidas. No presente sustentável, a quantidade de cada elemento utilizado é repensada, trabalhando assim as relações de consciência ambiental pelo excesso de consumo.  A recomendação é que todos os participantes se alimentem das comidas tradicionais após o processo de sacralização das oferendas, para que assim restabeleçam o axé de cada participante e fortaleçam o elo com a divindade Yemoja.  

 Os eventos dedicados a rainha do mar são excelentes oportunidades de se trabalhar uma educação ambiental decolonial sustentável assim como os preconceitos e acabar com o racismo estrutural e religioso. 

 

por Rodrigo Carneiro – Babazinho (Iwin L’orun Egbe Tayó) 

Professor de biologia (Seeduc), Pedagogo, Mestre em ensino de ciências, ambiente e sociedade (UERJ-FFP) , especialista em educação étnico -racial (UFRRJ), Sacerdote do Terreiro de Obatalá – Ile Omi Orun, fundador presidente do Instituto Terreiro Sustentável. Atuo com educação ambiental popular de terreiro, sustentabilidade e saúde.

Interpretando a Bíblia com olhares decoloniais 

 

Fala minha lindeza climática 🙂 

Antes da gente começar, deixa eu me apresentar.

Meu nome é Amanda Costa, sou comunicadora climática, internacionalista e ativista. Fundei o Instituto Perifa Sustentável, apresento o programa de Televisão #TemClimaPraIsso e hoje ocupo a posição de Jovem Conselheira do Pacto Global da ONU. Apesar de ser bastante coisa, enxergo essas atividades não apenas como trabalho, mas parte da missão que Jesus Cristo colocou em meu coração. 

 

Me envolvi com a luta ambiental decolonial e agora quero ampliar narrativas antirracistas. Até porque, já está na hora da gente combater aquele ambientalismo colonial que não traz a perspectiva de raça, gênero e classe para o debate. Ou seja, precisamos desmistificar o discurso daqueles doidos que falam que o lixo, o desmatamento e a miséria são culpa do pobre, sem pensar em toda a construção histórica que formou os lugares sociais que ocupamos hoje. 

 

Pois é, minha querida leitora. Tudo tem uma lógica por trás.

 

Apesar desse papo ser totalmente cringe, ainda existe uma galeeeera que defende o ambientalismo fundamentado numa ecologia colonial, patriarcal e racista, que preserva os interesses daqueles que há séculos ocupam um lugar de poder, privilégio e domínio no mundo.

 

Esse padrão de pensamento é bemmm antigo, também conseguimos encontrar no primeiro livro da Bíblia, na história da Arca de Noé. De acordo com Moisés, líder do povo de Israel que escreveu os primeiros cinco livro da Bíblia, Deus mandou Noé construir uma Arca para salvar a sua família junto com algumas espécies de animais, pois o Criador estava zangado com o pecado do povo e decidiu recomeçar do zero, destruindo a Terra e seus habitantes com fortes chuvas.

 

Esse torozão durou 40 dias e 40 noites, ficando conhecido como Dilúvio. 

 

Além da perspectiva religiosa, quero te convidar a analisar a história da Arca de Noé a partir de uma metáfora política. De acordo com Malcom Ferdinand, a “A arca de Noé  estabelece as balizas dos possíveis pensamentos sociais e políticos relativos às maneiras de enfrentar a crise ecológica. a Arca de Noé traz a cena do mundo no coração do ambientalismo moderno, comportando um política de embarque. Desse modo, ela simboliza um impulso inicial de ações e discursos que tem a função de construir esse embarque político e metafórico de um mundo diante da catastrófe.” 

 

A questão que fica é: quem tem o direito de entrar na Arca? Quem são os eleitos e quem são os excluídos?

Esse sistema, que elege uns em detrimento de outros, reproduz uma narrativa segregacionista, fortemente utilizada por líderes religiosos para manter o padrão de exclusão, marginalização e invisibilidade de corpos que não se encaixam no padrão de comportamento pregado e esperado.

 

Veja só essa parte do livro Uma Ecologia Decolonial, do Malcom Ferdinand:

“O que acontece na Terra, com os solos e com as florestas repercute no próprio corpo dos humanos, assim como em suas condições de vida sociais e políticas, e vice-versa. O solo das plantantions e o corpo dos escravizados confundem-se em uma única Terra-Negra subjugada pelo habitar colonial. Manter juntos antiescravagista, anticolonialismo e ambientalismo, desfazer-se da sombra do porão do antropoceno: essa é a missão de uma ecologia decolonial.” 

 

Os impactos da narrativa colonial não param por aí. Após o dilúvio, relatos bíblicos dizem que o líder Noé dormiu embriagado de vinho e Cam, um de seus filhos, expôs a nudez do pai aos irmãos com zombaria. Ao acordar, o pai amaldiçoou Canaã, filho de Cam, a ser “servo dos servos”. Como Cam e seus descendentes povoaram a África, esse episódio de Gênesis foi utilizado tanto por Negreiros europeus como pelos comerciantes árabes-muçulmanos do tráfico negreiro para justificar o injustificável: a escravidão do povo preto. 

 

Agora eu te pergunto: oque fazer para mudar esssa realidade?

Numa sociedade marcada pelo racismo, o corpo negro é constantemente relacionado a um lugar de pobreza, violência e exploração. Desse modo, o embranquecimento foi visto como solução para a redenção. Dá uma olhadinha no quadro abaixo:

 

  • Mulher negra retinta descalça, pisando na terra. Isso significa que ela está distante da civilização, próxima da natureza;
  • Filha com traços evidentes da mestiçagem, provavelmente fruto de um estupro. A filha está com os pés entre a Terra e o chão pavimentado.
  • Homem branco que carrega um sorriso de satisfação/deboche e um olhar de superioridade, passando uma sensação de que “cumpriu seu dever”. Ele tem os pés calçados, está num piso pavimentado e sentado na entrada de uma propriedade.

Esse quadro representa um contexto eugenista e traz a ideia de que o clareamento da pele siginifica algo positivo. Da mesma forma que a pele negra está relacionada com *maldição* e a natureza é enxergada como atraso, a pele branca foi relacionada com *redenção* e o *urbano* como evolução. Essa imagem reflete a maneira que o mundo colonial aprendeu a habitar a Terra: explorando a natureza, destruindo o meio ambiente e degradando os ecossistemas do planeta.

 

Por mais incômodo que seja, precisamos trazer essa conversa para a mesa. Vivemos num mundo cortado pelo racismo, pelo preconceito e pelo patriarcado. Se nós, enquanto pessoas que desenvolvem uma espiritualidade, não puxarmos esse assunto, deixamos à deriva para que narrativas estereotipadas de quem não entende o nosso universo sejam criadas. Já dizia Martin Luther King:

 

“A verdadeira paz não é somente a ausência de tensão, é a presença de justiça.”

 

Querida leitora, agora quero deixar uma coisa bem escura: esse artigo não é uma crítica contra a Bíblia, mas sim uma crítica a interpretação que alguns líderes religiosos fizeram dela. Nesse momento eu te convido a fechar os olhos, respirar fundo e orar baixinho. Converse com o Espírito Santo e peça sabedoria, diga para ELE te revelar toda a verdade escondida na história. 

 

Lembre-se: “Conhecereis a verdade e a verdade vós libertará.” (João 8:32)

 

Mini biografia: Amanda Costa é ativista climática, jovem conselheira do Pacto Global da ONU, fundadora do Instituto Perifa Sustentável e apresentadora do #TemClimaParaIsso?, um programa sobre crise climática. Formada em Relações Internacionais, Amanda foi reconhecida como #Under30 na revista Forbes, TEDx Speaker, LinkedIn Top Voices e Creator e em 2021 foi vice-curadora do Global Shapers, a comunidade de jovens do Fórum Econômico Mundial.

O saber ancestral como refúgio para pensar justiça climática

Autora: Lorena Froz

Durante a pandemia, pude trabalhar com um grupo de jovens na busca de entender quais eram as memórias ambientais de cada um, relacionadas ao território em que viviam, nesse caso a Maré. O nosso objetivo era verificar o quanto poderíamos resgatar a história e o passado de um local a partir do olhar dos seus moradores.  

No começo eu não entendia ao certo o que poderia surgir a partir desse laboratório de memórias, mas a cada dia eu notava o quanto essa busca passava pelo contato com os mais velhos desses jovens, ao mesmo tempo que ao longo dessa caminhada houve uma autodescoberta de cada um e da sua própria ancestralidade. Foi realmente um dos projetos mais ricos que eu tive a chance de colaborar.

Assim, tivemos um compilado de memórias incríveis de como a Maré, sim a minha Maré que hoje é completamente tomada por cimento, por um descaso do Estado, já foi uma praia. Que suspiro de felicidade pensar que aquele local tinha sua fauna própria, tinha mangues a perder de vista. Em algum momento, por ali corriam rios que minha tia avó se banhava e os pais e avós daqueles jovens também. É reconfortante pensar que a Maré tinha árvores frutíferas e sempre ao final da tarde as pessoas se reuniam em suas portas para compartilhar frutas e falar da vida.

Por meio de outros jovens, que por sua vez ouviram de seus mais velhos, soube sobre o quanto esse território já teve inúmeras rezadeiras, que dedicavam suas vidas a manipular ervas para salvar inúmeras pessoas. Quantas crianças já não foram salvas por essas simples mulheres mais velhas que juntando uma folha aqui e ali conseguiam confortar o coração de mães que viviam à margem de uma sociedade tão desigual que mesmo em situação de saúde comprometida era inviável a compra de um remédio. A partir dessas memórias pude imaginar as minhas.

Concomitante a isso, estive imersa na criação e curadoria de uma exposição com as minhas memórias e das minhas amigas que participaram junto comigo nesta empreitada. E mais uma vez era muito difícil imaginar o que eu poderia criar a partir dessa busca ancestral, por um simples motivo: eu não tinha ideia de onde vinha a minha família, tenho um avô que eu só sei o nome e não porque eu não gostaria de saber mais, apenas porque no dia a dia e na busca pela sobrevivência, gerações e mais gerações não tiveram tempo de olhar para si. Ainda sigo nessa busca de reconstruir a minha árvore.  

A correria do dia a dia e o imediatismo que a sociedade atual nos coloca, com cada vez menos tempo e cada vez mais frases do tipo “trabalhe enquanto eles dormem” acaba por nos sufocar de uma forma que às vezes não conseguimos nem ouvir os nossos próprios pensamentos. Parar e olhar para trás, tentar entender os nossos ancestrais e a tecnologia que praticavam, se torna um ato de coragem em meio a todo esse caos.

E assim cheguei no candomblé sem muitas referências do que seria aquele local, apenas porque a vida foi me encaminhando até que um dia estivesse ali naquele lugar com aquelas pessoas. E pude compreender algo que me fez ver o mundo de outra forma ao entender o quanto o respeito a quem veio antes é algo sagrado e mais do que isso: crucial para o funcionamento da dinâmica do barracão.

Se formos ainda mais a fundo nessa religião, entenderemos que todos os seres humanos têm seu ancestral primeiro, seu orixá, que nada mais é do que a representação de um elemento natural. O quão forte e avassalador é quando nos damos conta disso. O quão significativo é quando entendemos que estamos falando de uma religião que sem folhas não se pode se sustentar, sem os axés que só a natureza pode nos entregar, nada pode ser feito, a natureza é a nossa força vital.

Antes disso, a natureza é nossa ancestral. Parte da minha família. Parte de mim. O sangue que corre nas veias de cada animal, corre nas minhas também. Ela é um ser que vive. Entender isso ainda me causa muitas noites sem dormir, é uma virada de chave da vida. Com o meu orixá eu ainda tenho muito o que aprender também, sobre como utilizar tudo que a nossa biosfera oferece, mas com respeito e cuidado, lembrando que nas florestas existem inúmeras entidades protetoras e que conhecem sobre o funcionamento dessa teia muito melhor que qualquer um.

Entretanto, não posso aqui fechar os olhos para a injustiça climática que corrói meu povo. E é uma injustiça no campo mais amplo que essa discussão permite adentrar. E para começar a elucidar isso, vou para um passado recente. Durante a pandemia da COVID-19 o território da Maré se tornou um epicentro e por motivos que escancaram não a ausência do Estado, mas sim a escolha de políticas públicas que podem acessar esse território. Porque as operações policiais perduraram durante todo o momento em que a minha favela esteve entre os locais onde havia mais pessoas contagiadas por um vírus que pode ser mortal. Entretanto, a falta de água era algo recorrente, a falta de estrutura dos postos de saúde era evidente. Se não tivesse acontecido uma mobilização interna para salvarmos nossas próprias vidas, o cenário teria sido ainda pior. Percebemos então que a única política que pode acessar nossos corpos, de acordo com o governo, é a de morte.

Enquanto isso, a Maré segue sendo uma ilha de calor, um local onde nossas crianças saem para brincar na rua em meio a um lixão a céu aberto. Isso é injustiça climática, é isso que significa viver abaixo do nível do mar e saber que com a crise climática seu território pode simplesmente deixar de existir em algum momento. Injustiça climática é ter que mapear por qual caminho você vai tentar chegar em casa, porque choveu, sua favela está toda alagada e para piorar ainda está sem luz. E inclusive pode estar tendo uma operação policial concomitante.

Sim, à primeira vista, a crise climática pode parecer extremamente democrática, mas eu os convido a ter um olhar um pouco mais profundo. Será que realmente todos estamos reféns dessas consequências da mesma forma? Será que essas consequências não têm CEP, gênero, raça e classe?


Lorena Froz, 22 anos, cria no Complexo da Maré. Técnica em Meio Ambiente, educadora ambiental e articuladora territorial.  Graduanda de Gestão ambiental e Ativista Climática. Idealizadora da Faveleira, um projeto de comunicação e educação ambiental, que busca falar sobre as questões climáticas de uma forma que as pessoas consigam se conectar e relacionar com o seu dia a dia.

Também é integrante do JACA (Jovens em Ação pelo Clima). Participou da construção do material de comunicação da campanha “Climão: Precisamos Falar de Mudanças Climáticas nas Favelas”, da Carta de Direitos Climáticos da Maré, Carta de Saneamento Básico da Maré e da mobilização pedagógica do curso de extensão “Juventude e Mudança Climática” da UFRJ.

Candomblecista, filha do Bàbá Joaquim D’Ògún.

Ecoteologia Decolonial

Pensar a Ecoteologia Decolonial é desafio por se tratar, nela mesma, de um questionamento aos parâmetros, há séculos estabelecidos, para a Teologia como conhecemos. Passa, portanto, do ambiente da teorização para o chão da vida real de culturas e espiritualidades subalternizadas. No seu caso, se apresenta como uma postura profética, ainda mais ao constituir um binômio com o Decolonial. Isso torna esse texto ainda mais desafiador, tentando ler um caminho que, ao mesmo tempo que experimenta a espiritualidade a partir da harmonia em toda a criação, apresenta uma reflexão crítica sobre esta pelo método dos estudos pós-coloniais com respeito à revelação de Deus escrita e criada. E, a partir de então, fazer uma contribuição para que a Igreja de Jesus compreenda o chamado a reconciliação, constante em todo texto bíblico, mas evidenciado em II Cor 5: 18 – 20. E para continuar dizendo que é necessário descolonizar a Teologia.

No desdobrar da minha formação, há uma construção que, alinhada com a prática da educação popular, aponta um processo dialógico com a formação teológica. Nela, ainda solitariamente, pela ausência de contribuições nas escolas superiores de teologia, iniciei a busca de como se dá a relação de Deus com sua criação, uma vez que temos por certa sua imanência como transparência no que houvera criado.

Neste sentido, para dar nome ao que buscava como sendo a compreensão da fé alinhada com o meio ambiente, inicialmente, encontrei o conceito de “Teologia da Criação”. Este, logo foi compreendido como parte do processo por se limitar ao estudo da teologia contida no ato criador de Deus. A busca por um aprendizado transversal, que me incomodava ausente na abordagem rasa que encontrava a respeito dessa imanência, me levou a acessar no texto do teólogo Afonso Murad o aprofundamento a respeito da Ecoteologia(MURAD, 2019).

Mas, o que viria a ser ela?

O texto de Murad, apesar de muito didático, elucidativo e inspirador, não trouxe uma definição naquele momento. Assim, inspirado pelas definições conhecidas de Teologia, que aponta sua razão de ser, busquei entender a construção da palavra “ecoteologia”. Então,  me atrevi a elaborar uma definição para fazer meus estudos fluírem mais tranquilos. E aqui, para que se torne mais palatável este nosso diálogo, vamos entender o binômio como dois conceitos.

Em primeiro lugar, para visualizar a Ecoteologia, podemos considerar que o termo é constituído pelo encontro de três radicais gregos, a saber, (Oikos + Theos + Logos). E assim, didaticamente, pode-se entender essa construção da Ecoteologia onde o primeiro termo (Oikos) se refere ao todo criado por Deus, o termo (Theos) que refere-se à própria divindade e o terceiro (Logos) traz além do conceito de palavra, mas a palavra que cria e diz sobre a sua própria Criação que é “muito bom” (Gn 1:31)(NASCIMENTO JUNIOR, 2022)

Desse modo, fazendo o encontro de cada significado na formação da palavra “Ecoteologia”, me aventurei em defini-la como “…o estudo sistemático da palavra da divindade sobre tudo o que ela criou.”(NASCIMENTO JUNIOR, 2022).

Mas, por ainda me encontrar num ambiente incômodo, precisava compreender como essa reflexão, a respeito da relação de Deus com sua Criação, se materializa a partir do meu território, da minha cultura e não apenas mediada por um pacote das experiências culturais de outro chão. Assim, venho ressignificando minhas práticas e conceitos da espiritualidade que levam a pensar sobre minhas raízes e cultura composta por negros que vieram sequestrados da África e indígenas dessas terras chamadas pelo colonizador de Brasil.

Em segundo lugar, para pensar a Ecoteologia, ou começar uma contribuição para a mesma, necessitamos, após a compreensão do primeiro termo deste binômio, entender o que vem a ser o segundo, a saber “Decolonial”. E, para isso, faz-se necessário assumir o território como constituído e constitutivo dos/as que foram subalternizados/as pela colonialidade imposta, inclusive, através da teologia num maniqueísmo que põe em polos opostos o sobrenatural e o natural, onde o corpo, a terra e o que seja natural ou diferente do seu padrão definido, é explorável e subalternizável. Essa definição de colonialidade, encontramos no trabalho do sociólogo peruano Anibal Quijano (QUIJANO, 2005)

Neste sentido, “Decolonial” é a contraposição à colonialidade estabelecida no meio teológico. Pensando que a teologia eurocentrada sendo colonial, estabelece uma relação com Deus apenas sobrenatural, “esquecendo” que é na dimensão do material, do corpo, do natural que acontece a encarnação do Filho de Deus, objeto de sua missão de reconciliação. Por isso é necessário estabelecer uma decolonialidade na reflexão da espiritualidade na criação sobre os escombros que a colonização deixou. Desse modo a Ecoteologia Decolonial deveria ser desnecessária, ao passo que as teologias cumprissem o papel de refletir sobre Deus, sua imanência e sua operação salvífica do mundo criado. Por isso, o lugar da Ecoteologia Decolonia é primeiramente profético e, por conseguinte, de construção de novidade de vida para o ambiente teológico (Rm 6:4). Desse modo, podemos afirmar que este fazer se estabelece na conexão com a divindade, pela harmonia entre todos os seres na criação que revela o Criador. Seres humanos e não humanos. Porém, não é possível se não contextualizar que, para a Ecoteologia ser, a partir da harmonia na criação de Deus nos territórios subalternizados, ela precisa ser Decolonial, pois entende a Criação, não como ativos ou recursos, mas como um organismo vivo no Criador e a partir de onde o próprio se manifesta, se relaciona e salva. Essas poucas palavras são parte do que podemos aprofundar sobre a Ecoteologia Decolonial, lastreada pelas epistemologias do sul, as teologias Negra e Indígena, e a manifestação de Deus atuante na criação para fora das paredes eclesiásticas e a importância fundamental da Igreja corpo.

Espero continuar essa conversa com vocês daqui por diante.

Que Deus te Bendiga.

REFERÊNCIAS E INDICAÇÕES DE LEITURA

MURAD, A. T. DE DOMINADORES A IRMÃOS: UM DIÁLOGO DA ECOTEOLOGIA COM J. RIECHMANN ACERCA DA LIBERTAÇÃO ANIMAL. Em: TAUCHEN, J. (Ed.). Cordeirio de Deus: Festschrift  em homenagem a Luiz Carlos Susin. 1. ed. [s.l.] Editora Fundação Fênix, 2019. p. 51–86.

MURAD, Afonso O NÚCLEO DA ECOTEOLOGIA E A UNIDADE DA EXPERIÊNCIA SALVÍFICA Revista Pistis & Praxis: Teologia e Pastoral, vol. 1, núm. 2, julio-diciembre, 2009, pp. 277-297 Pontifícia Universidade Católica do Paraná Curitiba, Brasil

NASCIMENTO JUNIOR, J. ECOTEOLOGIA DECOLONIAL SISTEMÁTICA: UM INÍCIO, UMA  CONTRIBUIÇÃO. Anais Eletrônicos da XXV Semana Teológica da Unicap, p. 140–148, 2022.

QUIJANO, A. Colonialidade do poder, eurocentrismo e América Latina. n. CLACSO, Consejo Latinoamericano de Ciencias Sociales, 2005. 

 

Josias Vieira do Nascimento Junior é Ecoteólogo da Igreja Batista em Coqueiral (Recife) e fundador do movimento Nós na Criação.