Matéria

Confira as pessoas selecionadas para a segunda edição do Boto Fé no Clima

Ádria Anacleto Pereira Mendes
Ailton Seabra Borges
Alencar Silveira de Anchieta Guimarães Braga
Alex Rodrigo Farias Soares
Allan dos Santos Vieira
Amanda Alves Queiroga
Ana Caroline Quirino da Silva
Ana Keity da Silva
Ana Luiza de Lima Silva
Anderson Francklin Pinto de Jesus
Anderson Gabriel Ribeiro Lima
Anne Karolyne da Silva Rodrigues Carneiro
Arthur Vinicius Nascimento Viana
Beatriz Triani Cherem
Bruna Maria Crispim
Bruna Paola Castro Lima
Camila Nascimento
Camilly Goes Cardoso
Charlie Gomes da Silva
Cinthia Nascimento
Cintia Souto Reis
Cosmerina dos santos Brito
Davi Andrade Miguel
Derson Maia
Edna Carolina dos Anjos
Edson Rodrigues Cavalcante
Emerson Caetano
Felipe Gomes Garcia Marques
Fernanda Vanessa Leite do Nascimento
Fetxawewe Tapuya Guajajara Veríssimo
Gabrielle Ücker Thum
Hamangai Marcos Melo Pataxó
Holehon Santos Campos
Jerônimo pereira dos santos
Juliana da Silva Marins
Karen Cristina Sidonio Melo
Karen Emanuelen dos Santos Martins Galembeck
Karol’Linne Carvalho
Kely Cristina da Silva
Késia Miranda Nogueira
Lana Larrá Baia Amorim
Larissa Cristina Souza Barros
Letícia Damacena de Melo
Lívia Maria Vitor da Silva Sousa
Lucas da silva Alves pessoa
Luciana Carneiro Lopes da Silva
Madahyta de Nazaré dos Santos Silva
Maria Clara Salvador Vieira da Silva
Maria Rosangela da Silva Souza
Mariana Bissolate Knupp
Mateus Vinícius Batista Torres da Silva
Maycon Carreira
Mirella Moura Bastos
Muri Souza Santiago
Pamella Cristiny Carneiro da Silva
Raniere da Conceição Roseira
Raquel Piedade
Rocheli Koralewski
Romulo Moraes de Souza
Sereia Caranguejo
Shayane Fernandes Oliveira
Sueli de Araújo Azevêdo
Thais de Oliveira
Thaís Viana
Thamires Lima
Thayliana Leite Bezerra
Vanessa da Silva Santos
Wecsley Phelipe de Souza Britto
Wesley Oliveira do Nascimento
Yasmin de Oliveira Barcelos

Da mudança climática à mudança política: Solidariedade e direitos pelo Rio Grande do Sul

Nossas cidades não estão preparadas para lidar com os efeitos da emergência climática, por isso precisamos falar de adaptação climática. 

O ISER manifesta solidariedade aos atingidos pela crise climática no Rio Grande do Sul e tem atuado para ampliar o apoio às pessoas necessitadas de ajuda. Diante desse caos que assola comunidades inteiras, expressamos nossa compaixão às famílias que perderam seus entes queridos, seus lares e sua segurança. É doloroso relembrar que o que aconteceu é resultado não apenas de forças naturais, mas da negligência e omissão das autoridades competentes. Esta catástrofe ambiental nos recorda, de forma dolorosa, da urgência em adotar medidas efetivas de preservação e gestão responsável do meio ambiente e clima.

“O desastre não é natural, é político. É construído no Estado que desrespeita a legislação ambiental. O desastre é parte consciente do projeto político de governos negacionistas ou incapazes de se preocupar com a vida das pessoas e das florestas, afinal elas são indissociáveis.” – Mariana Belmont

O que é adaptação climática?

Diz respeito a um conjunto de intervenções planejadas, em diferentes áreas, para que os territórios possam lidar melhor com as consequências da emergência climática, evitando perdas materiais, de vidas e priorizando o bem estar da população.
A tragédia no Rio Grande do Sul é mais um exemplo, violento e monumental, do que tem acontecido e do muito que está por vir. Por isso, é necessário uma corajosa mudança política, para outra economia e modelo de sociedade, se quisermos algum futuro ou adiar o fim do mundo, como lembra Ailton Krenak.

Crise climática: um projeto político e econômico

Eventos climáticos extremos têm se tornado cada vez mais comuns, ao mesmo tempo em que parlamentares, governantes e outros atores políticos atacam medidas de preservação ambiental, precarizam serviços públicos de defesa civil e vendem nossas cidades e recursos naturais aos empreendimentos privados em prol de lucros ainda maiores.

A catástrofe ambiental que agora assola o Rio Grande do Sul é um exemplo de como os interesses econômicos predatórios e neoliberais estão acima dos interesses da coletividade e do cuidado com a natureza. Neste momento de dor e perda, a sociedade civil se ergue, mais uma vez, para levar cuidados básicos, comida, água e amparo àqueles que foram afetados por essa calamidade.

É preciso lembrar que tragédias anunciadas se concretizaram pelo descaso e que é urgente uma mudança radical na resposta que queremos e precisamos dar às crises climáticas e humanitárias daqui em diante. O que acontece hoje no Sul é fruto de um negacionismo científico aliado a uma má gestão pública que ignora alertas, evita planos de prevenção e flexibiliza legislações ambientais.

“Informações técnicas, dados e alertas dos cientistas estão disponíveis há bastante tempo. Informação não falta. O que falta são políticas públicas que possam minimizar os impactos desses eventos para a população porque eles continuarão a ocorrer. A mudança climática é uma realidade, não temos mais como evitar os eventos extremos.” – Suely Araújo

Como ajudar se não estou no Rio Grande do Sul?
Cozinha solidária do MTST (RS)
Pix: enchentes@apoia.se
Articulação dos Povos Indígenas da Região Sul (ArpinSul)
Pix: 00.479.105/0005-07
Central Única das Favelas (CUFA)
Pix: doacoes@cufa.org.br

Você também pode enviar itens nas agências de Correios de São Paulo, Paraná, Rio de Janeiro, Minas Gerais, Santa Catarina, Bahia, Pernambuco e Distrito Federal.

Itens para doação: Água potável (prioritário), alimentos de cesta básica, material de higiene pessoal, material de limpeza seco, roupas de cama e de banho e ração para pet.

Para saber mais sobre o assunto:
É ou não é? O que é verdade (e o que não é) sobre as enchentes do Rio Grande do Sul. Greenpeace
Chuva no Sul, fogo no Norte: governo precisa agir no novo normal. Observatório do Clima.
‘NÃO TEMOS MAIS COMO EVITAR OS EVENTOS EXTREMOS’, DIZ COORDENADORA DO OBSERVATÓRIO DO CLIMA. The Intercept Brasil.
O desastre não é natural, é político. Geledes.
O que é adaptação? Glossário Confluência. Associação de Pesquisa Iyaleta.
Nota Técnica Iyaleta Nº 02 – Adaptação: desafios para transparência na governança climática no Brasil
Nota Técnica Iyaleta Nº 01 – Governança de desastres, trade-off e adaptação Norte e Nordeste do Brasil
Sumário Estratégias para Planos Nacionais de Adaptação: um caso Brasil

Por que uma COP na Amazônia?

“É importante o significado na COP. Não existe nada no Brasil mais falado no mundo do que a Amazônia. Qualquer jovem, qualquer pessoa idosa, qualquer governador, qualquer ministro de qualquer país do mundo fala da Amazônia”. A fala do presidente brasileiro Luís Inácio Lula da Silva ressalta um panorama soberano no imaginário da população mundial, a importância da floresta amazônica na regulação da estrutura ecológica do nosso planeta, um sistema vivo capaz de estocar entre 80 e 120 bilhões de toneladas de carbono. Essa mesma infraestrutura ecológica planetária é alvo constante de um sistema que literalmente o consome desenfreadamente, aniquilando ecossistemas fundamentais para a saúde do Planeta. É nesse contexto, uma reprodução local da história Humano-Natureza, que acontecerá um dos eventos mais importantes de 2025, a Conferência das Nações Unidas sobre as Mudanças Climáticas, a famosa COP 30, especificamente na metrópole amazônica de Belém do Pará.

A Conferência das Partes (COP) sobre o clima é um evento onde todos os países membros (ou “Partes”) signatários da Convenção, se reúnem anualmente, desde 1995, por um período de duas semanas, para avaliar a situação das mudanças climáticas no planeta e propor mecanismos a fim de garantir a efetividade da Convenção sobre práticas de mitigação e adaptação aos impactos dessas mudanças no planeta. No final de 2023, um anúncio feito pelo Governo Brasileiro em conjunto com a Organização das Nações Unidas (ONU) surpreendeu o mundo, a Amazônia sediará o maior evento sobre Clima e Meio Ambiente pela 1º vez na história. Desde então, muito se especula sobre a capacidade, e até mesmo a necessidade, de receber um evento como esse em uma metrópole da Amazônia.

Belém enfrenta diversos desafios, principalmente em relação à infraestrutura, um problema comum a muitas cidades no Brasil e no mundo. Uma das grandes preocupações para a realização da COP na cidade está relacionada a essas deficiências. No entanto, os históricos movimentos socioambientais de base locais têm intensificado seus esforços para reforçar a importância de realizar o evento em Belém, destacando a necessidade de que as COPs considerem as especificidades de cada território. Nesse contexto, há um significativo movimento territorial para que a COP 30 promova um novo olhar sobre a Amazônia e suas particularidades, garantindo que a legitimidade e o potencial da região sejam reconhecidos como capazes de sediar uma conferência mundial.

Apesar das inúmeras notícias que sugerem a possibilidade de realocação da COP para outros estados, especialmente os do Sudeste — região que frequentemente hospeda grandes eventos —, tais informações parecem ter o intuito de desmobilizar e deslegitimar a capital amazônica como um território capaz de sediar a 30ª Conferência das Partes. No entanto, mesmo diante dessas incertezas, os movimentos locais mantêm-se extremamente organizados e ativos na promoção de uma forte mobilização popular. Esta mobilização parte do princípio de que uma COP na Amazônia deve contar com a participação ativa dos Amazônidas. Uma das estratégias adotadas é o fortalecimento do conhecimento da população sobre o que é a Conferência e os potenciais impactos dos eventos climáticos extremos. Além disso, há um esforço contínuo para fortalecer a comunidade local, ressaltando a importância de que a Amazônia seja representada por aqueles que verdadeiramente a conhecem.

A realização da Conferência das Partes (COP30) em uma cidade Amazônica não é apenas uma questão de logística ou de visibilidade internacional, mas uma oportunidade essencial para ampliar a potencialidade da região no diálogo global sobre mudanças climáticas. Portanto, é essencial que as vozes da Amazônia sejam priorizadas e ouvidas de forma efetiva, assegurando que sua realidade e desafios sejam corretamente compreendidos e abordados durante a conferência, e dessa forma, promovendo uma maior inclusão em discussões globais e na construção de políticas ambientais que frequentemente ocorrem distantes dos locais mais impactados.

A grande mensagem dita a cada fala amazônida sobre a COP é de que queremos uma COP que represente as Amazônias, tendo Belém como representante de sua pluralidade territorial e de seus povos, onde tenhamos espaço, reconhecimento e possamos desmistificar a visão estereotipada da região, que frequentemente nos alcança de maneira violenta e ignora nossa rica sociobiodiversidade e história de resistência.

Que essa Conferência seja um grande divisor de águas para que as instituições de escala global possam vislumbrar a importância de ampliar espaços democráticos nas regiões mais vulneráveis aos impactos das mudanças climáticas. É incontestável que a COP 30 deve ser reconhecida e defendida por todos como a COP das Amazônias e para os Amazônidas. Quem é da região já está se preparando para recebê-la, demonstrando a resiliência de um território que muitos tentaram e ainda tentam apagar, mas que continua resistente e permanecerá defendido por seus guardiões.

Por: Waleska Queiroz – Amazônida periférica, Engenheira, Socioambientalista, Ativista Climática, Presidenta da Rede Jandyras e Representante Institucional na COP das Baixadas.

Rumo à COP30: Fé no clima realiza encontro com a Rede de Juventudes

Na última segunda-feira (25/03), a Iniciativa Fé no Clima promoveu um encontro online com a Rede de Juventudes FnC. Um dos motivos do encontro foi à atualização acerca dos próximos passos da iniciativa para 2024.

Com a presença de jovens de todo o Brasil, o Fé no Clima anunciou a abertura das inscrições para a 1° turma do Boto Fé no Clima: adaptação climática e a previsão da realização de outras duas formações ainda este ano: o Boto Fé no Clima: juventudes e ação climática e o Boto Fé no Clima: preparação à COP29.

No calendário de atividades da Iniciativa, estão a incidência em dois grandes eventos da agenda de Clima: a reunião do G20, no final deste ano e a COP30, em 2025. Com inspiração na grande “Vigília pela Terra”, promovida pelo ISER durante a Rio-92, a Iniciativa aproveitou o encontro para reforçar o convite à participação da Rede na construção de uma Nova Grande Vigília pela Terra, no ano que vem, em Belém, durante a COP 30. Além disso, o Fé no Clima também tem costurado junto a sua rede de lideranças e organizações parceiras a realização de vigílias descentralizadas em preparação à vigília principal.

Dentre as falas dos presentes foi destacada a importância da manutenção da realização COP30 em Belém-PA, diante das especulações que têm sido divulgadas pela mídia a respeito de uma possível mudança parcial ou total na capital que abrigará a conferência. Além disso, foi afirmada a necessidade de novos encontros da Rede de Juventudes para construção de mobilização constante rumo à COP30

Por Sharah Luciano, assistente de projetos da Iniciativa Fé no Clima

De norte a sul – Extremos climáticos atingem milhares de pessoas no Brasil e no mundo

O ano de 2023 está sendo marcado por eventos climáticos extremos, com recordes históricos nos registros que a ciência já conseguiu detectar. 

O Serviço de Mudança Climática Copernicus (C3S), da União Europeia, informou que a temperatura média global de julho de 2023 foi de 16,95 °C, a maior observada em qualquer mês desde o início de sua medição em 1940. No caso do Brasil, a temperatura média em julho foi de 22,97 °C, o mês de julho mais quente registrado no Brasil desde 1961 pelo Instituto Nacional de Meteorologia (Inmet). 

Cada meio grau (0,5C°) a mais na temperatura média do planeta corresponde a uma série de mudanças na intensidade e frequências dos eventos climáticos, como ondas de calor e de episódios de seca ou chuvas exacerbadas. 

A emissão de gases de efeito estufa produzida pela queima de combustíveis fósseis é a principal causa para esse aquecimento do planeta, seja nos oceanos ou na superfície terrestre. Esses episódios de secas e enchentes também são intensificados pelo El Niño, um fenômeno natural que ocorre em períodos de 5 a 7 anos e traz mais chuvas para a região sul e mais secas para a região norte do país. 

Segundo o relatório do INMET publicado em Setembro deste ano, as cheias dos rios da região sul e as secas nos rios da região norte já eram percebidas. 

“Observa-se que a Região Sul, notadamente as bacias dos rios Uruguai e Taquari-Antas, experimentaram ocorrências de inundações, com destaque para os eventos de cheia extraordinários observados na bacia do rio Taquari-Antas, com dezenas de perdas de vida e severos danos às áreas urbanas de vários municípios. Já na Região Norte, observa-se diversos rios à margem direita do rio Amazonas em situação de seca, com contínuo e gradual declínio de níveis d’água e impactos sobre a navegação reportados em pontos dos rios Purus, Juruá e Madeira.”  

No mês de Outubro presenciamos a pior seca do rio Negro no Amazonas que deixou milhares de pessoas sem acesso a recursos básico como a água ou a atividade de pesca, além da biodiversidade perdida como a morte de bôtos e peixes. 

No Rio Grande Sul também tivemos enchentes avassaladoras que tiveram impacto direto na vida das populações indígenas, como foi o caso de famílias do povo Guarani Mbya que tiveram que ser resgatadas pelos bombeiros e deixarem sua comunidade. 

Esse relatório do INMET já apontava para as condições de risco dessas regiões, portanto, o que falta para os governos tomarem medidas efetivas de prevenção aos desastres ambientais? 

No mesmo estudo também indica que no mês de outubro ocorre o planejamento de preparação para o período chuvoso nas regiões Sudeste, Centro-Oeste e Bahia. Como é feito esse planejamento? Como a população pode se preparar sobre como proceder e qual tipo de suporte deve receber dos governos em situações de extrema vulnerabilidade? 

Temos a ciência para nos ajudar a criar estratégias de prevenção, e temos nossa fé, que nos dá força para enfrentar os momentos de maior sofrimento. Além disso, precisamos urgentemente de políticas efetivas e governantes comprometidos para a proteção das populações mais vulneráveis diante desse cenário de emergência climática. Essa ação não é um favor, nem uma bondade, mas um direito.

Julia Rossi – Pesquisadora e redatora da equipe de comunicação do ISER” 

 

Referências 

https://revistapesquisa.fapesp.br/julho-foi-o-mes-mais-quente-da-historia-recente-e-quebrou-recordes-de-temperaturas/#:~:text=Julho%20foi%20o%20m%C3%AAs%20mais,de%20temperaturas%20%3A%20Revista%20Pesquisa%20Fapesp 

https://portal.inmet.gov.br/uploads/notastecnicas/El-Ni%C3%B1o-2023_boletim-setembro.pdf 

https://www.cnnbrasil.com.br/nacional/seca-no-amazonas-rio-negro-atinge-menor-nivel-em-121-anos-com-apenas-1359-metros/ 

https://www.brasildefato.com.br/2023/09/28/enchente-atinge-aldeia-indigena-no-rio-grande-do-sul-e-comunidade-cobra-melhor-infraestrutura 

TEOLOGIA DO NAUFRÁGIO: A VOZ QUE ECOA NO PORÃO DO NAVIO

 

“Em 15 de fevereiro de 1750, o Espérance naufraga ao largo de Le Vauclin, na Martinica. Desembarcados naquela areia desconhecida, 177 náufragos do Espérance já procuram, através das fendas dos morros ainda verdejantes, as possíveis aberturas de um mundo. (FERDIAND, 2023, p.153).” 

 

É com essa citação que Malcom Ferdiand começa um dos capítulos do seu livro Uma Ecologia Decolonial (2023). Ele encontra na experiência dos corpos negros racializados à partir dá modernidade, um conceito para descrever a colonização europeia e os processos subsequentes dessa estrutura social. “A colonização europeia e as escravidões formam também um imaginário a partir do qual se pode falar de um mundo, de seus habitantes, de suas terras e de seus mares” (FERDINAD, 2023, p.154).

Ferdinad, utiliza o conceito de “Navio Negreiro” para descrever essa relação de subjugação da estrutura colonizadora em relação ao corpo escravizado que é retirado do seu lar, da sua terra, da sua cultura, dos seus laços familiares e da sua experencia religiosa para ser transformado em mera mercadoria, a ser utilizada como mão de obra do império.

 

Como fundamento, o navio negreiro contém os princípios que estruturam o mundo crioulo. Assim como o cofre de madeira no qual os hebreus conservavam as Tábuas da Lei, o navio negreiro encerra em seu seio, em seu convés inferior e em seu porão, os preceitos políticos, sociais e morais que estruturam as relações com a natureza, com a Terra e com o mundo. O principal traço desse fundamento reside numa política do desembarque. O desembarque faz, inicialmente, referência aos quatro séculos ao longo dos quais navios europeus desembarcaram, nas margens caribenhas e americanas, milhões de africanos aprisionados transformados em Negros e escravizados coloniais. (FERDIAND, 2023, p.155-156).

 

Durante mais de 4 séculos, navios europeus traficaram pessoas trazidas a força da África, legitimados pela força do cristianismo europeu com as suas missões de evangelização e catequização de outros povos. A noção de que outros povos, culturas e religiões eram inferiores aos cristãos europeus, sustentou uma noção de que os povos ameríndios e africanos precisavam serem salvos, para que suas almas não fossem condenas ao inferno. Entretanto como o próprio Ferdiand descreve: o verdadeiro inferno era ser acorrentado nos porões do navio negreiro, após ser brutalmente separado de tudo aquilo que dava razão a sua existência: religião, família e cultura. Para esse escravizado, não havia mais nenhuma esperança, a não ser a morte após um naufrago no meio do oceano atlântico. Entretanto, Ferdiand propõe que em alguns casos, a experencia do naufrago não foi a de morte e sim a possibilidade de fuga dessa estrutura colonialista, como o caso do navio Espérance. 

É possível fazer uma relação dessa noção de náufrago como possibilidade de escape, com a história do Apostolo Paulo no livro de Atos no capitulo 27. Nesse relato um dos grandes propagadores do cristianismo primitivo está sendo levado como prisioneiro até o Imperador César. Após inúmeras advertências, orientações e apelos do apostolo, sobre os perigos dessa viagem e as decisões tomadas pelo senhor do navio, acontece um náufrago e milagrosamente ninguém morre. Novamente, temos mais uma história de um náufrago que não termina em morte, mas na possibilidade de salvação a partir da sobrevivência dos prisioneiros do navio. Em ambos os casos, o navio do império romano e o navio negreiro Espérance representavam as estruturas de poder que colonizavam e subjugavam outros corpos, cerceando sua liberdade, territorialidade, cultura e religião. Mas a salvação e a possibilidade de vida, estava no porão dos navios.

Quando se pensa em uma ecologia decolonial e uma tentativa de discutir as questões climáticas a partir da religião, mais especificamente a fé cristã, é preciso pegar emprestado os conceitos e símbolos apresentados por Malcom Ferdinand. A imagem do navio negreiro como símbolo da colonização nos dá margem para imaginar o cristianismo europeu, como um navio que também precisa naufragar. Não é possível pensar uma ecoteologia cristã, a partir das estruturas que sustentaram a colonização e a utilização predatória de recursos naturais, por isso a solução precisar vir de outro lugar. “Os Negros nos porões dos navios negreiros não constituem um povo preexistente à sua insurreição, sobre o qual um dos cativos poderia dizer ao capitão “deixe meu povo ir” (FERDINAD, 2023, p. 163).

A mensagem do evangelho sempre nasce nos porões, nas catacumbas, nas periferias e principalmente, no grito que sai da boca dos corpos que historicamente são acorrentados e negados no seu direito básico de existir. Os negros, as mulheres, a comunidade LGBTI+ e os indígenas são aquelas vozes que ainda ecoam de dentro dos porões e ainda tem condições de pensar um mundo novo, a partir desse desembarque em um mundo novo após o naufrago.

“Os pobres são a verdadeira Igreja, o verdadeiro povo de Deus ainda que a sua presença no sistema religioso possa ser muito fraca. Encontram-se nos grandes santuários de romarias populares. Não se encontram nas igrejas paroquiais e muitas vezes nem sequer nas capelas. Mas Jesus sabe reconhecê-los e os integra no seu corpo como o verdadeiro povo de Deus. Jesus luta pela sua libertação no meio deles”, a afirmação é do Pe. José Comblin em um artigo publicado no livro Fome de Justiça.

Crise socioambiental e climática | Entrevista com Dom Luiz Fernando Lisboa

Esta entrevista foi pensada por Júlio César de Paula Ribeiro como trabalho final da formação Boto Fé no Clima, realizado pelo Instituto de Estudos da Religião (ISER) entre agosto a outubro de 2023. O curso reuniu jovens de diferentes tradições religiosas para pensar as mudanças climáticas e a crise socioambiental a partir da sua perspectiva local e olhar de fé. Avanços, conquistas, obstáculos e resistências, fazem parte do trajeto desses jovens. Inspirado nos momentos de diálogo que tivemos durante o curso, propus entrevistar uma liderança religiosa católica, que poderá apresentar a perspectiva da Igreja para a temática e comentar sobre os desafios.  


Meu entrevistado é Dom Luiz Fernando Lisboa, Arcebispo-bispo da diocese de Cachoeiro do Itapemirim-ES. Nascido em Valença-RJ, em 1955, é o 9º filho do casal Francisco Lopes Pereira Lisboa e Benedita de Oliveira Pereira, residiu parte da infância e juventude em Osasco-SP, onde conheceu os padres missionários Passionistas. Em 1975, aos 19 anos, quando o Brasil ainda passava pela ditadura militar, Luiz Fernando ingressou no seminário da Congregação Passionista, sendo ordenado sacerdote em 1983. Mestre em Teologia Pastoral pela PUC-PR, exerceu diversas funções em sua congregação. Em 2001, foi missionário Ad Gentes em Pemba, Moçambique, no continente africano, onde ficou por 8 anos. De volta ao Brasil, foi pároco em Curitiba, até que, em junho de 2013, o Papa Francisco o nomeou bispo da diocese de Pemba, retornando para Moçambique. Após mais 8 anos na África, Dom Luiz foi nomeado pelo Papa Francisco como bispo da Diocese de Cachoeiro do Itapemirim, no Espírito Santo, Brasil. Por seus serviços prestados no continente africano, Francisco concedeu a Dom Luiz o título honorífico de arcebispo. 

A entrevista foi realizada no dia 16/10/2023, em Bom Jesus do Norte-ES, na casa paroquial da paróquia São Geraldo Magela, momentos antes da missa festiva do padroeiro da cidade, São Geraldo. Na homilia da missa, Dom Luiz abordou muito do que foi falado aqui, reforçando seu compromisso com o tema. 

 

CONFIRA A ENTREVISTA: 

Quando e como o tema da crise socioambiental e climática foi apresentada ao senhor?  Qual foi sua reação?

Essa demanda da ecologia e do cuidado com a natureza, eu conheço desde a minha juventude, a partir do grupo de jovens da minha paróquia. Os jovens sempre foram sensíveis a essa temática, eu me lembro de ouvir sobre isso na pastoral da Juventude.

Embora eu fosse de uma paróquia Passionista e seja um missionário Passionista, São Francisco de Assis foi um santo que sempre empolgou a juventude, naquela época nós cantávamos muito a oração de São Francisco, de modo que esse cuidado pela criação foi algo que brotou ali. Recordo-me que nós fazíamos vários acampamentos, só na minha paróquia éramos mais de 200 jovens, foi uma época no início da pastoral da juventude que foi muito forte. Vivíamos o tempo de repressão da ditadura militar, mas os temas da justiça social e o cuidado com a casa comum andavam junto com os jovens. São Francisco de Assis ensinou para a juventude de todos os tempos esse zelo com o ser humano e também pela natureza, ao se referir como nossos irmãos o sol, a lua, os animais, e isso me sensibilizou.

E agora, eu tive a experiência de ficar quase 20 anos na África, em Moçambique. Lá, de maneira muito escandalosa e escancarada, a China está levando toda a madeira da região, isso me escandalizou, nós fizemos vários momentos de fala, de protesto. Então, quando o Papa Francisco, em 2015, lançou a Encíclica Laudato Sí, foi como um bálsamo, era a Igreja falando de forma mais contundente sobre o cuidado com o planeta, a Casa Comum. A Igreja Já tratou muito desse tema em outros documentos, mas a Laudato Sí era um documento próprio para alertar ao mundo sobre o que viria acontecer e que agora estamos vendo se realizar. 

 

Por muitos anos o senhor foi missionário na África, lá o senhor percebeu os impactos dessa crise? É um assunto que preocupa a Igreja na África?

Sim, eu fiquei quase 20 anos na África, e como disse, eu vi isso acontecer lá, por causa da depredação desenfreada da natureza. Não só retirando madeira, mas as multinacionais que entraram e continuam entrando em busca da exploração dos recursos naturais. A África é muito rica em recursos naturais de todos os tipos, eu posso citar o ouro, diamante, rubi, pedras semipreciosas, grafite, mármore, além do gás. A região que eu estava, norte de Moçambique, tem a maior reserva de gás da África. Então, essa depredação maluca, desenfreada, pecaminosa, nós, enquanto Igreja, vimos acontecer.

A Igreja na África realizou dois sínodos, duas grandes assembleias, e o documento que foi produzido denunciou isso, mas a repercussão é muito pouca, porque o que a África pensa e diz conta pouco no mundo, infelizmente. É um continente que só é lembrado para ser explorado. Na época do Covid-19, enquanto os outros quatro continentes tinham 50% da população já vacinada, na África eram apenas 2% de vacinados.

 A África é um continente esquecido, explorado, que sofre todo tipo de preconceito. Como disse, ela é rica em recursos naturais, mas passa, há muitos anos, por uma segunda colonização, através das multinacionais e daqueles mesmos países que colonizaram antes, e agora retornam para explorar os recursos. A África sofre duas vezes a colonização. Os africanos são expulsos de suas terras, é contratada mão de obra de outros países, e eles acabam não tendo nenhum dividendo dos recursos de sua própria terra. 

 

É de conhecimento geral o grande esforço da Igreja Católica e dos cristãos em defesa da vida. Apesar disso, há muita resistência quando o assunto é a crise climática e socioambiental. Na opinião do senhor, porque há essa resistência?

Essa resistência vem desde o tempo de Jesus, não foi à toa que Jesus foi parar na cruz e todos os apóstolos foram martirizados, exceto São João, que morreu de velhice, mas não sem também ter experimentado a perseguição e tortura. 

Sempre que se fala da dignidade humana, cria-se um debate “por que Jesus come com os pecadores?” “por que ele se alia com essa gente desclassificada?” – questionavam-se na época de Jesus. E a Igreja, se quer ser fiel a Jesus, tem que estar a serviço de todos, mas sobretudo dos últimos, porque Jesus tem um amor preferencial pelos pobres e vulneráveis. Ele mostrou isso, basta abrir o Evangelho, não precisamos nem falar da Doutrina Social da Igreja, que já tem mais de 100 anos, desde Leão XIII, todos os papas trouxeram esses temas, que na verdade é uma busca do essencial do Evangelho, é o amor e o cuidado com o próximo, como pede os mandamentos. E Jesus foi além, Ele disse que quem diz que ama a Deus e não ama seu irmão é mentiroso. Por isso, o trabalho de evangelização da Igreja passa, necessariamente, pelo cuidado com os mais frágeis, e entre os frágeis, além do ser humano, está a natureza. 

Deus criou tudo que existe, e viu que era bom. Quando criou o ser humano, viu que era muito bom. Ao oferecer a criação ao Ser Humano, Deus não fez de nós donos, mas cuidadores, é diferente. Só que o Ser Humano passou de cultivar para ser dono, e aí vieram as grandes diferenças, as grandes injustiças, gente acumulando demais em detrimento de outros que não tem nada, gente comendo demais e outros com fome, gente com muita riqueza e outros na miséria. E quando a Igreja toca nesses assuntos, acontece o que aconteceu com Jesus, é mal entendida, caluniada, perseguida. Dom Hélder Câmara dizia “quando dou pão aos pobres, me chamam de santo. Quando pergunto porque os pobres não tem pão, me chamam de comunista.” 

Então a Igreja, se é fiel a Jesus, sempre será incompreendida quando se trata de cuidar dos mais vulneráveis. Isso sempre aconteceu na Igreja, e não nos amedronta, não nos faz recuar. Se somos incompreendidos e questionados nesse quesito, é sinal que estamos no caminho de Jesus. 

 

As vezes ouvimos alguém dizer que a religião/Igreja devia se preocupar só com as almas e não com o Meio Ambiente. O que o senhor diria a esses irmãos?

Eu perguntaria a esses irmãos: mostra-me uma alma?

 Não existe alma fora de um corpo, fora de uma pessoa. Quando nós falamos de alma, falamos daquela parte mais rica de uma pessoa, o transcendente, a sua ligação com um Ser maior, que nós chamamos de Deus. Não é possível cuidar de uma alma que está vagando, toda alma tem um corpo, e quando nós ressuscitarmos não será só a alma, ressuscitaremos inteiros, corpo e alma. 

Quando a Igreja cuida da pessoa humana, cuida como um todo. Hoje mesmo eu estou visitando a sua paróquia e visitei a Associação Beneficente, o Centro Social da igreja local, que tem um grupo grande de jovens e adultos que cuidam dos mais vulneráveis, e a evangelização tem, necessariamente, esse lado de cuidar do ser humano, dos vulneráveis, de resgate da dignidade humana, porque Jesus fez isso. Quando Jesus juntou uma multidão pra ouvi-Lo e os discípulos pediram para despedi-los, o Cristo disse “dai-lhes vós mesmos de comer”, ou seja, nossa ação evangelizadora, se não é acompanhada de promoção da vida, de resgate da dignidade, ela não é completa. 

A Igreja não está preocupada só com as almas, a Igreja está preocupada com o Ser Humano, como Jesus fez. Quando Jesus ia ao encontro de uma pessoa debilitada, caída, Ele começava por convidá-la a olhar o seu interior “tua fé te salvou”, dizia. Ou seja, pessoa tinha vontade, tomava decisões, esse é o primeiro passo, é o que a Igreja faz, evangeliza, mas ao lado disso, ela também dá dignidade, resgata a dignidade, levanta aquela pessoa, ajuda as pessoas a se organizarem. Jesus nos ensinou isso. Não é possível um seguidor de Jesus dizer que a Igreja só tem que se preocupar com as almas, não é possível. Se se diz seguidor de Jesus, tem que aprender do Mestre, e não apresentar um Jesus que não é Aquele apresentado por João Batista e todos os profetas. É este o Cordeiro de Deus, Jesus, o Salvador da humanidade, que teve uma preocupação com o Ser Humano como um todo. 

 

Alguns jovens dizem sentir falta do incentivo de seus párocos, lamentam que não há abertura nas suas paróquias para se discutir o tema da crise socioambiental. O que o senhor poderia dizer a esses pastores?

Em primeiro lugar, eu gostaria de falar aos jovens. Como diz o Papa Francisco “os jovens não são o futuro da Igreja, são o presente”, então, onde não se lhes dá oportunidade, o jovem tem que conquistar, pedir, exigir esse espaço nas comunidades, porque eles são Igrejas. 

E o que eu diria a esses pastores é que nós estamos atrasados, porque o Papa Francisco lançou em 2015 a Encíclica Laudato Si, que fala do cuidado com nossa casa comum, e acaba de lançar, no último dia 4 de outubro, a Exortação Apostólica Laudate Deum, que fala da crise ambiental. Aquilo que a Laudato Si disse que iria acontecer, está acontecendo, uma crise ambiental sem precedentes, ondas de calor extremo, chuvas excessivas, e o Papa agora diz na Laudate Deum que isso é consequência da ação humana, o ser humano tem culpa no que está acontecendo. Há fenômenos naturais, mas há muitos fenômenos que são resposta da natureza diante das ações. O Papa questionou, no novo documento, que o ser humano está exacerbando seu poder, achando que pode tudo, em outras palavras, brincando de ser Deus, e não podemos fazer isso porque as consequências vêm. 

Os párocos, os padres, os cristãos em geral, que não se preocupam com a casa comum, não estão em sintonia com aquilo que Deus quer, porque Deus criou tudo e pediu que tomássemos conta, se nós não fazemos isso, saímos do projeto de Deus. 

 

Por outro lado, sabemos que já há também um importante trabalho de paróquias e dioceses em promover o cuidado com a Casa Comum. O senhor poderia deixar uma mensagem de incentivo a essas comunidades?

O convite que o Papa Francisco faz é mais que um convite, é magistério da Igreja. A Igreja é Mãe e Mestra. E se nós temos um documento, uma Encíclica, e agora uma Carta Apostólica, dizendo que nós todos temos que cuidar do planeta, da Casa Comum, isso é um ensinamento da Igreja, não podemos questionar, temos que cumprir, porque isso é fruto do Evangelho, da ação de Jesus, dos discípulos, das primeiras comunidades cristãs, e o magistério todo da Igreja nos ensina isso. Talvez, agora, de maneira mais explícita, porque nós estamos vendo a consequência dessa falta de cuidado, enchentes, calor, gases poluentes, efeito estufa, e todo esse palavrório que nós não conhecíamos antes e que agora estão aí.

O Papa tem cobrado também das autoridades, quantas COPs já aconteceram e os países mais ricos não cumpriram a sua parte, e o Papa, na Laudate Deum, está cobrando. Haverá a COP28 no próximo mês e esperamos que se tome medidas realmente impactantes que possam diminuir as consequências nocivas das ações humanas. 

Portanto, minha mensagem é que possamos nos interessar por esse assunto, isso nos diz respeito, é a nossa Terra. Existe uma anedota que diz que dois planetas se encontraram e um perguntou ao outro “como você está?” e o planeta respondeu “eu agora estou com um vírus, o vírus humano” ao que o outro respondeu “não se preocupa que isso passa”. Chegamos no limite, ou nos salvamos todos juntos ou vamos perecer juntos. 

Ninguém tem o direito de dizer “ah, isso não é comigo, não me interessa. Eu vou falar só de Deus, de Jesus”. Quem pensa assim está enganado. Falar de Deus é falar do bem comum, falar de Jesus é falar da dignidade humana, do respeito pela natureza, da nossa casa comum. Eu espero que todos possamos abrir nosso coração e, principalmente, nossa mente, para essa nova realidade. Ainda dá tempo de salvarmos o mundo, a nossa Casa Comum. 


Júlio César de Paula Ribeiro, psicólogo, mestrando em ciências sociais-UERJ, animador Laudato Sí, aluno do curso do Fé no Clima-ISER. 

Ansiedade climática: Como a emergência climática impacta a saúde mental dos jovens?

O futuro é agora 

Enfrentar a crise climática está longe de ser algo do futuro. Os impactos das catástrofes ambientais causadas pelo aumento da temperatura global já são sentidos em diversas regiões, principalmente pelas populações mais vulneráveis. Sabe-se que as mudanças climáticas decorrentes da ação humana também estão relacionadas ao surgimento de pandemias e doenças que ficam ainda mais transmissíveis em ambientes insalubres ou contaminados. Seja pelas secas ou inundações, os eventos extremos causados pela mudança no clima, a saúde humana pode estar em risco de diferentes formas. 

Além de doenças e perdas materiais que esses eventos podem causar, o sofrimento humano e as consequências para a saúde mental da população mais atingida precisam ser acolhidas e reparadas. Em algumas regiões, como favelas e casas em encostas de morros, os primeiros sinais de chuva já causam medo e angústia.  Lorena Froz, parceira do Fé no Clima, idealizadora do Faveleira e cria de Nova Holanda, uma das dezesseis favelas da Maré no Rio de Janeiro, se refere a esse sentimento quando pensa em como o lugar que ela cresceu será impactado pelas mudanças climáticas:

“Para os moradores de favela, que é o meu caso, entender que a Nova Holanda está abaixo do nível do mar é uma notícia que até hoje eu acho que eu ainda não digeri muito bem. Com as consequências das mudanças climáticas, o local onde eu cresci e passei a maior parte da minha vida, simplesmente pode deixar de existir, isso é algo muito ruim e muito difícil de pensar e de imaginar.” 

Segundo dados do documento “Estratégia de Adaptação às Mudanças Climáticas da Cidade do Rio de Janeiro” de 2016, a favela de Nova Holanda é um dos pá ontos com alto índice de inundações. O relatório “Áreas da cidade passíveis de alagamento pela elevação do nível do mar” de 2008 também já apontava que essa região, por já ter sido bastante aterrada, apresenta mínimas áreas abaixo de 1,50 metro, indicadas como passíveis de alagamento. Mesmo tendo dados que indiquem a necessidade de um plano de adaptação climática, não há um investimento necessário para a implementação de serviços adequados, como saneamento básico. Essa ausência do estado em trazer medidas eficientes para problemas que já estão afetando milhares de pessoas ainda causa mais sentimentos que afetam a saúde mental, como exemplifica Lorena:

“Será que o governo e as autoridades não estão vendo o que está acontecendo? Isso gera muito esse desconforto. A ansiedade de querer essa mudança, de saber que existem meios de você mudar essa situação, mas nada é feito, então ficamos com uma angústia muito forte.”

“Ansiedade Climática”, “ Ecoansiedade” e “luto ecológico” 

Já existem alguns estudos que utilizam termos como “ansiedade climática”, “ecoansiedade”, “luto ecológico” como uma forma de descrever essa exaustão mental que decorre do entendimento da dura realidade frente a crise climática e o sentimento de desesperança. É preciso destacar também que as juventudes são impactadas de forma diferente, já que essa geração se depara com a crise climática em uma outra escala, em termos do que já está acontecendo e as previsões futuras. 

Em um estudo global realizado com 10.000 jovens, entre os 16 e os 25 anos de 10 países diferentes, para avaliar o que pensam das alterações climáticas, foram coletadas respostas que se resumem em duas palavras: extremamente preocupadas. Os participantes também apontaram que os governos não estão fazendo o suficiente para combater as alterações climáticas. O estudo concluiu que existe um fenômeno global que se expressa em uma correlação entre emoções negativas, como a preocupação, e a crença de que as respostas dos governos às alterações climáticas têm sido inadequadas. Assim, a forma como os governos têm abordado – ou não têm abordado – as alterações climáticas, está afetando diretamente a saúde mental dos jovens.

Redes de Apoio e cuidados com a saúde mental 

Diante desse cenário, é importante destacar a importância do amparo psicológico e de uma rede apoio para que as pessoas consigam cuidar da sua saúde mental. O estado precisa garantir serviços públicos de qualidade, não só saneamento básico, mas como também formas de assistência psicológica e acolhimento para pessoas mais impactadas. Sabemos que em muitos lugares esse papel acaba sendo realizado por comunidades religiosas, são as pessoas que estão vivendo diariamente com os problemas e encontram a fé como um caminho de conforto para ultrapassar esses momentos difíceis. 

Unir a ciência, com dados e informações técnicas, junto com os saberes comunitários e redes de suporte já construídas, é um elo essencial para a implementação de estratégias para adaptação climática principalmente nos espaços mais afetados por essa situação de emergência que estamos vivendo. 

 

Julia Rossi é Biofísica, doutoranda em Geografia e Meio Ambiente na PUC Rio e redatora da equipe de comunicação do ISER.

 

Referências 

https://papers.ssrn.com/sol3/papers.cfm?abstract_id=3918955 

https://www.apa.org/news/press/releases/2017/03/mental-health-climate.pdf 

https://yaleclimateconnections.org/2020/02/how-climate-change-affects-mental-health/ 

https://www.ihu.unisinos.br/613279-ansiedade-e-luto-ecologico-a-saude-mental-em-tempos-de-crise-climatica#:~:text=Na%20NPR%2C%20Sharon%20Pruitt%2DYoung,e%20do%20sentimento%20de%20desesperan%C3%A7a

http://rio.rj.gov.br/dlstatic/10112/9857523/4243335/EstrategiadeAdaptacaoasMudancasClimaticasdaCidadedoRiodeJaneiro.pdf

Mulheres que florestam o mundo 

O que as árvores têm a ver com essa mudança no clima? 

Neste dia da árvore não podemos deixar de falar sobre o desmatamento, um problema mundial que tem afetado o clima e impactado a vida de pessoas em diferentes regiões. Nas últimas semanas foram noticiadas ondas de calor pelo mundo todo, inclusive no hemisfério sul, que ainda está na estação de inverno. Chuvas volumosas têm causado estragos em diferentes locais do planeta e a terra está nos avisando: precisamos agir para a sobrevivência da humanidade e de todos os seres vivos.

 

A importância das florestas no equilíbrio do clima

As florestas, que são compostas por diferentes espécies arbóreas, são fundamentais para o equilíbrio da temperatura do planeta e estão diretamente ligadas com o ciclo da água. A evapotranspiração, processo que as árvores liberam vapor d’água para a atmosfera, é fundamental para a regulação das chuvas, e por isso o desmatamento pode gerar secas e queimadas em algumas regiões. O aumento da temperatura atmosférica também faz com que haja uma maior evaporação dos oceanos que também favorece a formação de nuvens e consequentemente das precipitações. As árvores também são um mecanismo de defesa nos casos de enchentes, suas raízes contribuem com a absorção da água e com a firmeza do solo, por isso as encostas arborizadas têm menos riscos de sofrer deslizamentos com os grandes volumes de chuva. 

Mesmo sabendo dos diferentes benefícios que as árvores nos proporcionam, atividades humanas, como a mineração, a monocultura, a agropecuária e as queimadas ainda são responsáveis pelo desmatamento desenfreado. De acordo com os dados da Universidade de Maryland disponíveis na plataforma Global Forest Watch (GFW), do World Resource Institute, o Brasil é o país com a maior perda de florestas primárias tropicais: apenas em 2022, foi responsável por 43% do total global.

Você sabia que mulheres negras e indígenas são as mais afetadas pelas consequências da crise climática? Hoje, vamos te contar histórias de lideranças negras e femininas que criaram centros de reflorestamento nas áreas periféricas onde vivem, no Brasil ou no Quênia.

 

Lourdes Brasil: reflorestamento no Centro Gênesis, na Baixada Fluminense

Apesar desse contexto, temos exemplos inspiradores que nos fazem ter esperança na restauração de biomas tão importantes para nossa sobrevivência. Trazemos aqui o caso da Lourdes Brasil, uma mulher negra, brasileira, nascida na Baixada Fluminense, é economista, PhD em Ecologia Social e fundadora do Centro de Educação Ambiental Gênesis. Uma de suas ações mais importantes foi a interrupção do processo de degradação e a recuperação da cobertura vegetal, que constitui atualmente um laboratório vivo e também é espaço de atividades de educação ambiental. O laboratório vivo está instalado em um ambiente físico, no município de São Gonçalo, no Rio de Janeiro, e corresponde a uma área verde de 60.000 m², composta por espécies da Mata Atlântica. O local constitui um patrimônio paisagístico, que inclui cerca de 300 árvores nativas do Brasil, ipês de diversas cores, espécies frutíferas e ornamentais.

É importante lembrar que a Mata Atlântica é o bioma mais devastado do país, com apenas 24% da sua cobertura vegetal original conservada. Ela abrange cerca de 15% do território nacional, em 17 estados, é lar de 72% da população brasileira e é responsável por metade da produção de alimentos consumidos no país. Além disso, a Constituição Brasileira de 1988 reconhece a Mata Atlântica como Patrimônio Nacional e é o único bioma brasileiro protegido por uma lei especial, a Lei da Mata Atlântica, que dispõe sobre sua proteção e uso de sua biodiversidade e recursos (Lei n° 11.428, de 2006). 

O trabalho do Centro Gênesis liderado por Lourdes Brasil é um exemplo de como a proteção ambiental pode ser aliada com a educação e formar indivíduos atentos e preocupados com essa questão. Mesmo localizado na região metropolitana do Rio de Janeiro, que é densamente povoada, e com diferentes desafios relacionados às desigualdades sociais, o Centro possibilita a manutenção de um microclima que atenua as ilhas de calor característica dos grandes centros urbanos. 

 

Wangari Maathai. Wangari: reflorestamento no Quênia

Atravessando o oceano atlântico e chegando no leste do continente africano, encontramos outro exemplo marcante de reflorestamento no Quênia, com a história da bióloga Wangari Maathai. Wangari tornou-se a primeira mulher no Leste e Centro da África a ter o título de PhD, e fundou o The Green Belt Movement (Movimento do Cinturão Verde, em tradução livre) em 1977. Diante das secas e dificuldades da população em produzir alimento, ela criou este movimento para formar e empregar pessoas das comunidades quenianas no plantio de árvores. Além de diferentes prêmios e quatro livros publicados,  Maathai recebeu o Nobel da Paz em 2004 e, até o dia em que faleceu em 2011, havia mais de 47 milhões de árvores plantadas pelo programa que criou. 

Sabe-se que as mulheres negras e indígenas são as mais impactadas pelos eventos extremos causados pelas mudanças climáticas e que a crise climática é uma crise injusta e atravessada pelo recorte de gênero e raça. Diante da urgência para criarmos ferramentas de enfrentamento à emergência climática, o plantio de árvores, combinado com ações sociais, é uma estratégia fundamental para nossa sobrevivência, e muitas mulheres pelo mundo são protagonistas dessas ações que nos trazem esperanças. Deixamos aqui nossa homenagem a essas e outras mulheres que florestam o mundo e lutam pela justiça climática em seus territórios. 

 

Julia Rossi

Biofísica, Doutoranda em Geografia na PUC Rio e integrante da equipe de comunicação do ISER. 

 

Referências: 

https://www.sosma.org.br/causas/mata-atlantica/ 

https://www.gov.br/mma/pt-br/assuntos/ecossistemas-1/biomas/mata-atlantica 

https://www.revistaea.org/artigo.php?idartigo=4376 

http://www.centrogenesis.com.br/about.html 

https://www.camara.leg.br/proposicoesWeb/prop_mostrarintegra?codteor=645180 

https://brasil.elpais.com/brasil/2018/02/26/politica/1519672164_945082.html

https://brazil.unfpa.org/sites/default/files/pub-pdf/unfpa_climate_change_brief_-_portuguese.pdf 

http://crioula.net/2022/05/2256/v