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As palavras não dão conta: relatos das andanças parte I – Paulo Sampaio

Muito tenho aprendido em todos estes dias de missão rodando o país. Em meu coração pulsa forte a certeza de que do povo organizado virá nossa salvação. É da luta e da mobilização popular que a nova terra será construída. É do povo que age pela terra como a voz de Deus do “faça-se luz” que a transformação virá. São estes a fagulha da revolução e a centelha que recriará, e já o está fazendo, a nova humanidade pautada nos valores da cooperação, da preservação, do cuidado, do afeto, da interligação e da interdependência entre as espécies. 

Certa vez um monge amigo e mestre, Marcelo Barros, nos chamou atenção para um texto da tradição cristã, do primeiro testamento, sobre o Profeta Elias. O texto está no primeiro livro de Reis, no capítulo 19, e fala de um punhado de gente que Deus “fez sobrar” e que não se dobraram diante do poder que queria corromper o povo. Esse punhado de gente que Deus fez sobrar lá no tempo do Profeta Elias é hoje este nosso povo organizado nas bases. Um povo que não se dobra ao poder da morte e da ganância que assola a terra e destrói a Criação na busca de uma riqueza ilusória e efêmera. Um povo que se organiza na base e, como pequenas formigas, têm transformado, pouco a pouco, sua realidade. Insistindo e resistindo.

Tenho rodado um pouco nos centros e rincões deste país e encontrado muitos sinais de esperança. Do Maranhão ao Mato Grosso, pessoas de fé têm se voltado a pensar a sua religiosidade e espiritualidade a partir de uma perspectiva de cuidado com a Terra, mãe-irmã. Passando por São Luís (MA), Cáceres, Rondonópolis e Cuiabá (MT) tenho visto e escutado lições preciosas. As palavras não dão conta de descrever a emoção de viver tudo isso, mas consegue, ainda que mínima e infimamente, dar vida a algumas dessas lições.

A primeira já foi dita e repetida, o povo organizado produz a verdadeira transformação, revolução. Depois que é através da formação, uma formação que une teoria e prática, a partir da vida do povo, que o povo começa a ter força e se organizar. Isto porque a formação empodera, dá força, e impele, estimula, instiga, as pessoas à ação. Outro ponto importante é a dimensão festiva e afetiva da luta. A vida não é feita somente de trabalho, trabalho e trabalho. Ela precisa ser vivida plenamente e celebrada, musicada e dançada, sentida e afetada. Precisa de profecia e poesia.

Destaco, por fim, não encerrando totalmente, mas concluindo esta parte (até porque tem muito mais vivido que não cabem nas palavras), o papel das juventudes. As juventudes que tem construído e arquitetado os processos de mudança, as articulações, os trabalhos de base, as rodas de conversa. De fato, o que nos disse em janeiro de 2019 o Papa Francisco vemos pulsante no chão da vida: a juventude é “o agora de Deus”. Ouvir as juventudes, suas demandas, suas ideias, sonhos e esperanças é um bom caminho para continuarmos a missão de guardar e cultivar a Criação de Deus.

Paulo Sampaio, educador popular, ativista ambiental, membro da equipe Fé no Clima.

O melhor das COPs é a volta pra casa. Uma saudação aos encantados que me acompanham. – Hannah Balieiro

 

Entre os dias de Santa Bárbara e Nossa Senhora da Conceição, volto para minha casa entre Oyá e Oxum, que guerreiam e acolhem. Encontrando afeto nos encontros do caminho.

 

As Conferências internacionais não são um lugar para você. Se você que está me lendo for um pouco assim como eu, jovem, preta, mulher, LGBTQIAP+. Por mais que na teoria estes sejam espaços para que a sociedade civil possa ter acesso a governos e negociações, não somos corpos bem quistos. 

 

Este texto não é sobre a COP27 em si, para saber mais do que ninguém te conta sobre esses espaços, recomendo o texto de Madalena Glaênia para a Agência Jovem. Estes escritos são sobre o caminho de volta para casa e o que encontramos ao longo dele. Sou uma jovem afro religiosa, nortista, moradora da Amazônia amapaense, meu caminho de volta sempre é longo e cheio de paradas. 

 

Nesse caminho destaco dois encontros onde pude experienciar o compartilhamento e acolhimento que nem sabia que precisava. O encontro Pós COP realizado pelo Greenpeace, foi o primeiro lugar onde pude ouvir de outros companheiros que estiveram na COP27 as violências que vivenciaram em um país que vive uma crise de direitos humanos, o Egito.

 

O segundo, o Encontro Fé no Clima realizado pelo ISER. Conhecer o Fé no Clima foi um momento de calmaria diante da tempestade, pautar nossa religião nos acalenta e nos cuida, pois a religião também é esse lugar do cuidado, do corpo e da alma. É o lugar onde posso compartilhar que em umbanda tudo é encantado, e que outras pessoas irão compreender o que digo, mas interpretar esse encantamento à sua maneira, à maneira que sua fé lhe toca.

 

É o lugar onde posso compartilhar a história do Pretinho da Bacabeira, um encantado da cidade de Soure, Ilha do Marajó, no Pará. Onde um certo prefeito da cidade precisou chamar um pajé e pedir permissão ao Pretinho, para que pudesse aterrar o Igarapé em que vive e assim passar uma estrada no local. E é aí que minha fé e o clima se encontram, quando deixamos de pedir permissão e tratar com respeito o que nos é sagrado, nos sustenta e dá vida, vamos vivenciando as “vinganças da terra”, como se referiu a liderança política indígena Davi Kopenawa às mudanças climáticas.

 

Foi imposto dentro de um processo colonial, às cidades que enchem e vazam, uma dinâmica de cidades estrangeiras, em nome de um desenvolvimento que não era nosso e de um dito processo civilizatório, passamos a ver como mercadoria o que nos é sagrado. Luiza Lian canta em sua música chamada Iarinhas o que acontece com os rios da nossas cidades e como isso reflete nas nossas vidas e nos seus encantados: 

 

“Essa rua tem o nome de um rio que a cidade sufocou

A vontade do rio de voltar

Às vezes sacode de algum lugar

Ele dorme até a chuva chegar

Mas a tempestade vem anunciar

E uma enchente lembra a população

Que o que é rua antes era vazão”

 

Hoje quem paga a conta da emergência climática são os que pedem permissão para entrar no rio ou pedem licença para colher, não aqueles que desmatam, queimam e aterram. Estar nesse lugar de vivenciar a morte de encantados me parte o coração, e me coloca a trabalhar em nome da justiça pelo que é matéria e também pelo que não é. Me sinto grata e aliviada por poder encontrar no Fé no Clima um lugar de acolhimento e de poder defender o meu sagrado.

 

Alô Amazonas, Guamá e Mirí, suas Iarinhas andam cantando suas ladainhas para mim.

 

Hannah Balieiro

Ativista, artista, arteira. Cabocla da Amazônia, afro religiosa nascida no Pará e criada no Amapá. Bacharel em biologia e diretora executiva do Instituto Mapinguari, sendo ponto focal na ReLLAC-j, educadora popular ativando o debate climático em comunidades tradicionais e cidades da Amazônia

 

O que é a COP e por que o ISER está na conferência

Realizada desde 1995, a COP (Conferência das Partes) é o encontro da Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre Mudança do Clima (UNFCCC) para dirigente políticos, mas que também reúne anualmente representantes de diversos países, cientistas e organizações da sociedade civil para debater a pauta climática. Durante a COP são discutidas práticas possíveis de serem aplicadas para a mitigação, adaptação e financiamento de projetos para países mais vulneráveis à crise climática. 

 

Um dos principais objetivos da conferência é ter como resultado a redução da emissão de gases efeito estufa (GEE), como foi tratado no Acordo de Paris, que entrou em vigor em 2016. Na ocasião, os 55 países que representavam no mínimo 55 % das emissões mundiais de GEE, se comprometeram com a redução. 

 

Ao longo dos anos, as plenárias compostas por chefes de estado vêm dividindo o protagonismo com representantes de diversos setores da sociedade civil. São ativistas, membros de ONGs, lideranças religiosas, pesquisadores, executivos e empresários conscientes da importância de integrar as discussões sobre o futuro do planeta e da humanidade. 

 

De 2019 para cá, o ISER tem acompanhado de perto as ações e os debates da COP por meio de nossa iniciativa Fé no Clima, criada em 2015. O projeto surgiu no contexto de dois importantes eventos daquele ano: a promulgação da encíclica “Laudato Sí”, do Papa Francisco, e a Conferência das Partes da Convenção Quadro das Nações Unidas para as mudanças climáticas – a COP 21, ocorrida em Paris. 

 

Assim como nas edições anteriores, nós estamos na COP 27 porque temos como missão reunir e engajar lideranças religiosas para a conscientização de suas comunidades de fé no enfrentamento da crise climática. Fazemos isso por meio do diálogo entre cientistas, religiosos, ambientalistas e representantes de povos originários, com objetivos de adaptação, resiliência e justiça climática.

 

Desde então, atuamos em diálogo com lideranças de comunidades de fé, participação em redes e espaços da agenda climática, produção e difusão de informações sobre temas ambientais e climáticos, entre outras ações

 

A sociedade civil tem construído movimentos importantes para a conscientização sobre a crise climática e na busca por direitos e políticas a partir de mobilizações e campanhas por todo o mundo. Continuaremos mobilizando e cobrando por meio da Fé para que políticas deem suporte à população mais impactada por essa crise, e a justiça climática seja uma prioridade para todos.

 

Quer fazer parte da Rede de Juventudes Fé no Clima?

Como a relação entre fé e juventudes pode construir soluções que diminuam os impactos da crise climática? No ano passado, a iniciativa Fé no Clima iniciou um trabalho para se conectar com jovens da região Amazônica e encontrar essas respostas.

Agora a intenção é ampliar a Rede de Juventudes Fé no Clima com a adesão de jovens de todo o Brasil. Basta preencher o formulário para ficar por dentro de todas as nossas ações – e participar! A ideia é que possamos conhecer e conversar com cada um de vocês! Os dados coletados serão usados somente para comunicações referentes ao projeto.

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