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Quer fazer parte da Rede de Juventudes Fé no Clima?

Como a relação entre fé e juventudes pode construir soluções que diminuam os impactos da crise climática? No ano passado, a iniciativa Fé no Clima iniciou um trabalho para se conectar com jovens da região Amazônica e encontrar essas respostas.

Agora a intenção é ampliar a Rede de Juventudes Fé no Clima com a adesão de jovens de todo o Brasil. Basta preencher o formulário para ficar por dentro de todas as nossas ações – e participar! A ideia é que possamos conhecer e conversar com cada um de vocês! Os dados coletados serão usados somente para comunicações referentes ao projeto.

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Eventos climáticos e tragédias recorrentes: o que o caso de petrópolis nos alerta?

Completa-se dez dias desde a tragédia que ocorreu na região de Petrópolis e continuamos consternados com todas as perdas. Além do sentimento de tristeza pela tragédia em si, também nos deparamos com questões urbanas e ambientais que precisam ser pautadas para que haja a proteção da população mais vulnerável a esses eventos climáticos. Trazemos aqui alguns pontos para refletir sobre a necessidade de implementação de políticas para a gestão de riscos climáticos bem como políticas sociais para a redução das desigualdades. Para essa reflexão, convidamos Luísa Ázara Ramos, petropolitana, bióloga, professora, educadora ambiental e uma das pessoas que está trabalhando arduamente nas frentes de recuperação da cidade.

Luísa nasceu e foi criada no Alto da Serra, região do Morro da Oficina, onde ocorreram muitas perdas humanas, pois diversas casas deslizaram nessa encosta. Segundo ela, a região serrana do Rio de Janeiro possui o relevo acidentado, com cidades na beira de rios, e o asfalto não permite a infiltração da água da chuva, e não há escoamento. Por isso, quando os rios enchem, o volume de água aumenta muito e com ela vem a força devastadora que arrasta tudo pela frente.

Existem três importantes rios que passam no Centro da cidade de Petrópolis: Piabanha, Quitandinha e Palatinato. Segundo especialistas, uma das principais causas para a tragédia teria sido a obstrução de um canal que leva as águas do Quitandinha para o restante da cidade. A falta de obras estruturais emergenciais tiveram papel crucial na tragédia provocada pelas fortes chuvas que atingiram Petrópolis no dia 15 de fevereiro.

A bióloga aponta a urgência de se pensar no planejamento urbano, e levar em conta o código florestal e as áreas de preservação ambiental que a cidade vai ocupando sem fiscalização e não respeitando as medidas de proteção. Outras áreas da região são uma ‘bomba relógio’ para a cidade, e faltam obras estruturais de manutenção que precisam ser feitas, como um “túnel estravasador”, para sanar essa questão hídrica. Especialistas também afirmam que, se tivessem sido feitas obras de contenção de encostas e de desobstrução do maior canal subterrâneo do município, que há mais de duas décadas não é feita, os impactos poderiam ter sido atenuados.

Luísa ressalta como grande questão o fato de que as pessoas mais atingidas, como no Morro da Oficina, já eram pobres e perderam o pouco que tinham. Ou seja, se essa população não tiver uma moradia digna e os governantes não executarem um programa habitacional sério, as pessoas que sobreviveram ao desastre vão se mudar novamente para uma área suscetível a eventos climáticos extremos e cada vez mais frequentes.

Além de programas habitacionais e uma reforma urbana na infraestrutura de escoamento de água e contenção de encostas, é necessário também investir em um processo educacional. Segundo Luísa Ázara, “as pessoas têm que ter consciência ambiental e também participação na vida política, nós temos mecanismos de participação popular e precisamos nos apropriar disso para cobrar medidas efetivas”

Pela perspectiva da justiça climática, ela afirma então que “se partimos dos Objetivos do Desenvolvimento Sustentável, podemos perceber que estamos falando de questões sociais, portanto, se a gente não erradicar a pobreza e não der soluções para o acesso à moradia digna, à saúde e ao meio ambiente equilibrado, continuaremos sofrendo com essa tragédia.”

Diante desse cenário de destruição, Luísa desabafa sobre a sensação de angústia e impotência, e, ao mesmo tempo, de muita colaboração, formação de redes de apoio, muitas partindo de igrejas evangélicas e católicas, que estão acolhendo pessoas desabrigadas, oferecendo apoio, comida e direcionando para lugares adequados. “Sobre a fé, acho que é a única coisa que mantém de fato as pessoas de pé e fazendo o que é possível nesse momento. Famílias inteiras destruídas, se você não tiver fé nesse momento, você não consegue se levantar.”

Julia Rossi – Pesquisadora do Fé no Clima

Mãe Beata, a força das águas!

Mãe Beata de Iyemonjá, filha da orixá das águas, aquela cujo o nome significa “Mãe cujo os filhos são peixes”, cardume de diversidades e superações. É neste sentido que irei trazer algumas palavras que deem sentido a representação de minha mãe biológica e desta líder religiosa de matriz e motriz africana, que sempre se preocupou para além de seu povo originário afrobrasileiro e seus meios ambientes.

O seu legado até os dias de hoje, é seguido pelos seus descendentes biológicos, tanto quanto pelos diversos filhos e filhas que compõem sua comunidade de terreiro, o Ile Axé Omiojuaro, que se situa na Baixada Fluminense, no município de Nova Iguaçu, no Rio de Janeiro. Comunidade esta que sempre impulsionada pela força de Mãe Beata e Iyemonjá, segue como as correntezas dos mares em busca de novas formas de solucionar os problemas desta sociedade que teima por uma ótica consumista e capitalista, que acredita que os recursos naturais do planeta são infinitos, não observando os sinais da natureza frente a estas violações e violência destrutiva ao meio ambiente.

Esta mulher negra, nordestina, de baixa estatura e muita potência matriarcal, nos legou com suas percepções de mundo, sabedorias diversas seja com sua atuação política, religiosa, cultural e ecológica propondo novas percepções de mundo integralizador e empático, lutando e se perpetuando em nossas vidas e mentes enquanto uma grande ancestral, onde seus ensinamentos nos servem como bússola a ser seguida.

Seus ensinamentos que vieram das águas nos inspiram que para além da Fé é preciso que nos posicionemos na proteção do meio ambiente, preservando e justificando a nossa relação de integralidade entre ser e meio, pois não há como cultuarmos nossos orixás sem termos uma ação efetiva de respeito e parceria com o planeta terra (Aiye). Sem uma natureza saudável, não somente os seres humanos e não humanos estarão fadados a extinção com a poluição do meio ambiente, bem como as divindades da natureza estarão apartadas desta conectividade que acreditamos serem a justificação de perceber a importância destas mesmas divindades na rede de sustentação da fauna e flora do planeta.

Assim como as águas, Mãe Beata era a fonte que não se deixava esgotar, sempre à frente de seu tempo, ela conseguia ser terna e doce, mas uma maremoto ao defender o seu cardume diverso, as pessoas e seus direitos. Filha de Iyemonja, era uma mãe incondicional, que encontrava virtudes nos seres humanos, acreditando que tinhamos de manter a solidariedade à todos indistintamente.

Não acreditava em uma igualdade universal, mas acreditava em uma igualdade de direitos que tinha que ser globalizada, já que os mares de iyemonjá encontravam todos os continentes. Portanto, segundo ela, Iyemonjá era a mãe de todos os povos, não fazendo distinção de credo, raça, orientação seja ela qual fosse. Assim era e é mãe Beata para nós, esta mulher que se tornou referência não somente para os povos negros, mas para a humanidade enquanto personalidade de superações à vida e suas adversidades.

É neste sentido que eu, enquanto seu sucessor frente a sua cadeira do Ile Axé Omiojuaro, sigo o seu legado das águas, buscando uma sociedade equânime e harmônica.

Iyemonjá é sua mãe e nos deu esta mãe chamada Beata, Beatriz, Iya!
Odoiya

Adailton Moreira Costa
Filho de Beata das águas
Babalorixá do Ile Omiojuaro

A enchentes no brasil e o papel da sociedade e comunidades fé no enfrentamento da crise climática

O ano de 2021 terminou com tragédias causadas pelas chuvas que continuam nesse começo do mês de janeiro, quando milhares de famílias pelo Brasil foram afetadas em diferentes municípios dos estados da Bahia [1], Minas Gerais [2], Tocantins [3] , Acre [4] e Maranhão[5]. Esses eventos extremos decorrentes do grande volume de chuvas são cada vez mais frequentes [6] em função do aquecimento na temperatura do planeta e são sentidos com mais intensidade no período de verão.

Segundo especialistas ouvidos pela reportagem da BBC [7], “há pelo menos três fatores que podem ser associados à alta intensidade das chuvas recentes na Bahia: o La Niña, a depressão subtropical e o aquecimento global.” Tanto a La Ninã como a depressão subtropical são fenômenos naturais que interferem no regime e volume das chuvas como ciclones e ventos com alta intensidade. Já o aquecimento global, como sabemos, é um fenômeno causado pelas atividades humanas que emitem gases de efeito estufa, de acordo com o  Relatório Internacional sobre as Mudanças Climáticas (IPPC)[8].

Os impactos dessas mudanças no clima têm efeito direto nas populações que vivem em áreas de risco. A pesquisadora e ativista Aíla[9], de Itabuna (BA), afirma que as enchentes na Bahia são eventos que se repetem por todo país, e segundo ela, isso envolve a falta de planejamento urbano que refletiu na construção das cidades brasileiras à margem de grandes rios. O volume de água dos rios que cortam as cidades aumenta e invade as cidades. Ela conta que o Rio de Itabuna subiu uma altura de 10 metros.

Durante esses desastres foram fundamentais as ações comunitárias para dar assistência às famílias atingidas pelas enchentes e que perderam seus bens nas enchentes. Aíla se reuniu com outras pessoas para angariar doações e conseguir comprar absorvente e calcinhas, pois a saúde da mulher fica esquecida diante de tantas outras necessidades emergentes. Segundo ela, “a sociedade civil foi a protagonista na ajuda para pessoas afetadas em todas as esferas. As campanhas de arrecadação de mantimentos, roupas, itens de higiene e etc, foram desenvolvidas pela própria comunidade. A própria comunidade que se engajou enquanto o poder público se colocou em uma posição de pensar o que seria feito no pós desastre e como direcionar esses recursos recebidos pela prefeitura para o restabelecimento de famílias desabrigadas.”

Bispos de dioceses atingidas pelas enchentes no sul da Bahia participaram de ações solidárias para o enfrentamento dessas situações de calamidade. Para além do acolhimento e socorro prestado, a Igreja tem alimentado a esperança e a fé das pessoas atingidas por esta catástrofe [10].

A jovem ativista Hamangaí [11] Pataxó HãHãHãe, que também mora no sul da Bahia, conta como seu povo lida com esses eventos climáticos:

“Antigamente os mais velhos aqui da minha aldeia tinham o entendimento que com os territórios demarcados os problemas iria acabar e viver mais tranquilos. Agora a gente entra em um contexto de crise hídrica cada vez mais intensa, fruto de ações de antigos fazendeiros aqui da região com a agropecuária e a produção de cacau. Temos feito um trabalho de “formiguinha” de reflorestamento, fortalecendo o trabalho da educação ambiental e trazendo as árvores nativas para “plantar água”, pois vamos plantando nas beiras das nascentes e nos leitos dos rios.”

Segundo ela, o território pataxó HãHãHãe tem muita dificuldade de acesso à água potável, um direito básico que é negado, assim como a educação e a saúde indígena, e outras formas de extinguir os direitos dos indígenas como a PL 490, o marco temporal. Hamangaí explica “por isso a importância de que a sociedade civil esteja articulada, unida e consciente desse trabalho em rede que deve ser feito para pressionar o governo a cumprir o que está na Constituição Federal e tomar medidas emergenciais nesse contexto de crise.”

Hamangaí também comenta sobre as decisões políticas serem feitas a portas fechadas, acordos que são negociados sem ouvir de fato a população, quem está na base, dentro dos territórios mais afetados. Ela também aponta para a urgência de se discutir essas questões dentro da sala de aula, pautando a educação climática como um aprofundamento desse tema das mudanças climáticas.

Trouxemos aqui alguns exemplos de ações que têm sido construídas pela sociedade civil no Brasil, mas não podemos deixar de pontuar também a obrigação dos governos, em todas as suas esferas, de implementar políticas que protejam as populações mais impactadas pelas mudanças climáticas.

Notas de rodapé

[1] https://www.brasildefato.com.br/2021/12/28/entenda-o-que-esta-causando-as-chuvas-que-deixaram-o-sul-da-bahia-embaixo-d-agua

[2] https://noticias.uol.com.br/cotidiano/ultimas-noticias/2022/01/09/cidades-alagadas-regiao-metropolitana-de-bh-nova-lima.htm

[3] https://g1.globo.com/to/tocantins/noticia/2022/01/03/escolas-e-igrejas-ficam-lotadas-apos-enchentes-deixarem-cerca-de-200-desabrigados-em-sao-miguel-do-to.ghtml

[4] https://g1.globo.com/ac/acre/natureza/amazonia/noticia/2021/12/17/la-nina-antecipa-chuvas-intensas-no-acre-e-cheias-acentuadas-podem-ser-registradas-em-2022.ghtml

[5] https://www.cnnbrasil.com.br/nacional/fortes-chuvas-afligem-mais-de-mil-familias-no-maranhao/

[6] https://www.unicamp.br/unicamp/index.php/ju/noticias/2020/02/27/estreita-relacao-entre-mudancas-climaticas-e-o-aumento-de-eventos-extremos

[7] https://www.bbc.com/portuguese/brasil-59804297

[8] https://www.iser.org.br/noticia/fe-no-clima/ipcc-divulga-relatorio-e-chama-atencao-para-a-acao-humana-como-principal-causa-do-aquecimento-global/

[9] Pesquisadora sobre clima e juventude na UFBA, tem mestrado em Relações Internacionais e trabalha no Instituto Aika.

[10] https://www.cnbb.org.br/bispos-das-dioceses-atingidas-pelas-enchentes-no-sul-da-bahia-falam-do-papel-da-igreja-em-situacoes-de-calamidade/

[11] Articuladora nacional da associação de jovens Engajamundo, é estudante universitária do curso de medicina veterinária pela Universidade Federal do Recôncavo da Bahia (UFRB).