Qual a importância dos grupos de fé no enfrentamento à crise climática?

Em um ano marcado por uma das mais importantes conferências sobre o clima — a Conferência das Partes (COP) —, que ocorrerá no Brasil, em Belém do Pará, crescem as expectativas em torno desta edição. Ela não apenas marca os 10 anos do Acordo de Paris, um dos tratados mais relevantes no enfrentamento às mudanças climáticas, como também será a primeira vez que a Amazônia recebe a COP da Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre Mudança do Clima. 

A presidência da COP 30 no Brasil tem trazido, em suas cartas abertas à sociedade, um termo de difícil tradução para quem não é brasileiro: “mutirão”. Esse termo expressa um esforço coletivo em prol de um objetivo comum, uma convocação de pessoas com diferentes habilidades, reunidas para alcançar algo maior, que sozinho ninguém seria capaz de realizar. 

Mas quem são esses atores? E para quem esses esforços globais devem ser direcionados? 

Dentro dessa perspectiva de um mutirão global contra as mudanças climáticas, é fundamental compreender que absolutamente ninguém deve ficar de fora — tanto no sentido de colaborar, quanto no de ser contemplado, protegido e incluído pelas políticas e decisões climáticas. Isso é especialmente verdadeiro para grupos historicamente vulnerabilizados, que menos contribuíram para a crise, mas que estão entre os mais afetados por ela: povos indígenas, afrodescendentes, mulheres e outras populações marginalizadas

Em um cenário de emergência climática, são esses corpos-territórios que enfrentam as consequências mais severas e, muitas vezes, irreversíveis de um planeta em desequilíbrio. São eles que, infelizmente, são empurrados para as trincheiras, para morrerem primeiro. 

O esforço coletivo para enfrentar essa crise é um desafio imenso para toda a humanidade. E, embora dentro desse mutirão muitas respostas venham da ciência e da política — geralmente estruturadas a partir de uma lógica ocidental e hegemônica —, existem também outras forças, muitas vezes invisibilizadas, que partem da espiritualidade, da fé e dos saberes ancestrais. 

Essas forças desempenham um papel essencial no enfrentamento à crise climática. Elas mobilizam consciências, fortalecem vínculos comunitários e cultivam uma ética do cuidado, do bem viver e do bem comum. Por isso, é urgente que nos reconheçamos também como parte legítima desse processo, trazendo para o centro dos debates e das decisões nossas filosofias de cuidado, nossos conhecimentos ancestrais e espirituais — que são, sim, formas de ciência —, e que devem ser considerados como tal. 

Falo desse lugar enquanto uma pessoa de fé, umbandista, de tradição afroindígena. E estendo essa reflexão à toda comunidade religiosa e espiritual, especialmente às minhas irmãs e irmãos que carregam, em seus corpos e histórias, a força da ancestralidade dos pretos-velhos, voduns, orixás, inkices, caboclos e encantados. Somos povos que

mantêm uma relação íntima e indissociável com a natureza, porque é dela que vêm nossos caminhos, nossa força e nossa própria existência. 

Como bem ensina o escritor e filósofo indígena Ailton Krenak, em Ideias para adiar o fim do mundo

“Tudo é natureza. O cosmo é natureza. Tudo o que eu consigo pensar é natureza.” 

Para nós, povos de terreiro e de tradição africana, não é diferente. O cuidado com o ambiente — que não é “meio”, mas o todo — é cuidado com a própria vida. A água, a mata, a terra e todos os elementos são sagrados. Afinal, sem folha não existe culto, não existe axé, não existe vida, não existe ancestralidade. 

Diante da enorme tarefa que é frear as mudanças climáticas, é urgente refletir sobre quais impactos e quais legados esta COP deixará para as comunidades locais e globais. É preciso compreender que, além das respostas técnicas, dos acordos e tratados, também é necessária uma resposta ética, espiritual e comunitária. 

A crise climática não é apenas uma crise ambiental — ela é uma crise de direitos, uma crise civilizatória. E seu enfrentamento passa, necessariamente, pela eliminação das desigualdades, do racismo, da LGBTfobia, da violência de gênero e do apagamento dos nossos corpos-territórios. 

Sem justiça, não há solução climática. Sem espiritualidade, não há cura possível para a ferida que se abriu entre humanidade e natureza.

Por: Alex Soares

 

Alex é paraense, de Belém e cria de Icoaraci. Bacharel em Direito, pós-graduando em gênero e sexualidade – UFPA e Direito e governança climática – UFBA. Membro da Liga Acadêmica de Cuidados Integrais à Diversidade Sexual e de Gênero – LACIGS. Analista de agenda política na palmaresLab. Trabalha com as temáticas de justiça climática, social, Gênero e sexualidade.