Carta Inter-religiosa – Aliança Sagrada Pelo Clima

A Natureza como Expressão Espiritual clama pela Urgência da Ação

Nós, lideranças religiosas de diversas tradições e espiritualidades, nos unimos nesta carta para expressar nossa profunda preocupação com as sucessivas e crescentes tragédias ambientais que nosso país tem enfrentado e com as perspectivas de que sejam ainda piores no futuro próximo. O aumento das queimadas e incêndios florestais na Amazônia, Pantanal, Cerrado e Mata Atlântica está destruindo nossa biodiversidade, degradando os solos e os recursos hídricos, agravando a crise climática global, corroendo nossa economia e provocando doenças
e sofrimentos na população.

Reconhecemos o esforço que parte do governo vêm fazendo para enfrentar esses problemas e para recuperar a governança socioambiental que foi criminosamente enfraquecida durante o governo passado. Esse empenho tem produzido resultados importantes, como a expressiva redução do desmatamento na Amazônia. No entanto, a situação ambiental do país continua extremamente preocupante e requer uma maior mobilização de todos os setores estratégicos do governo e o envolvimento dos governos estaduais e municipais.

Constatamos com grande tristeza que o Câmara, Senado e Ministérios, como o das Minas e Energia, Transportes e Agricultura, continuam atrelados a uma visão de desenvolvimento do passado, e seguem defendendo a mineração em Terras Indígenas e a exploração de petróleo em lugar de priorizar a exploração do potencial de energias renováveis do país; a pavimentação da BR-319, que favorecerá a destruição de milhões de hectares da floresta
amazônica e afetará para sempre a vida de milhares de indígenas que vivem na região; a expansão da fronteira agrícola sobre o Cerrado e a Amazônia, bem como o aumento do uso de agrotóxicos extremamente perigosos para a saúde humana e para o meio ambiente.

O Brasil ocupa um lugar de protagonismo no cenário internacional. É anfitrião do G20 e da COP 30, eventos que serão decisivos para os compromissos e os impactos das políticas ambientais e climáticas sobre nossos biomas, suas populações e o futuro do planeta. Neste contexto, é inaceitável que o Brasil, um país abençoado com a maior biodiversidade do planeta, e com tal protagonismo internacional, continue a contribuir para o agravamento das mudanças climáticas e a destruição de seus ecossistemas mais preciosos.

Não é de agora que as comunidades religiosas estão comprometidas com a justiça climática e socioambiental e, portanto, nos somamos a estas vozes para avançarmos ainda mais no processo de proteção da nossa biodiversidade e dos povos originários e comunidades tradicionais que são seus principais guardiões. A natureza, em suas múltiplas formas, é um elemento central em nossas práticas espirituais e na expressão de fé de nossas comunidades.

Através da criação divina encontramos o sagrado nas florestas, nos rios, nos diversos elementos da natureza, nos animais, nas pessoas. Ao testemunharmos a destruição de ecossistemas essenciais, sentimos que não apenas a natureza está sendo violada, mas também os princípios espirituais que guiam nossas vidas. A proteção da natureza não é apenas uma questão ambiental, mas um dever espiritual e moral. Como líderes religiosos, estamos comprometidos em acolher e cuidar daqueles que sofrem as consequências dessas catástrofes, mas também em prevenir através da proteção do meio ambiente.

Pedimos, portanto, que o governo federal repense suas políticas de exploração de recursos naturais, colocando a preservação da criação divina e a proteção das vidas humanas como prioridade máxima, tais como expressos nas seguintes demandas:

● Desmatamento zero: Implementação imediata e eficaz do cumprimento do Código Florestal, com foco na proteção integral da Amazônia, do Cerrado e de todos os biomas brasileiros.

● Atualmente, há 873 blocos de petróleo e gás em concessão no país, dois terços deles em terra e um terço em áreas marítimas. Essa exploração pode dobrar, com 769 novos blocos atualmente em oferta. Reivindicamos a interrupção das concessões e de novas ofertas.

● Investimentos em Energias Renováveis: Redirecionamento dos investimentos atualmente alocados na exploração de combustíveis fósseis para o desenvolvimento de energias limpas e renováveis, que respeitem as premissas de uma transição justa e popular, em alinhamento com os compromissos climáticos internacionais do Brasil.

● Adoção de uma NDC compatível com a manutenção da elevação da temperatura média do planeta em torno dos 1,5 graus Celsius e influenciar os demais países durante a COP 30 para que façam o mesmo.

● Demarcação de Terras Indígenas, titularização de Territórios Tradicionais, regularização fundiária e reforma agrária justa, com foco na soberania alimentar. Fomento à agroecologia, valorização da produção familiar, camponesa e da pesca artesanal, além da economia indígena, garantindo geração de renda para combater a fome, pobreza e desigualdade social.

● Suspensão das operações e processos minerais ativos em terras indígenas, quilombolas e unidades de conservação de proteção integral.

Acreditamos que essas ações são necessárias e, acima de tudo, urgentes, para garantir que o Brasil possa continuar sendo um exemplo para o mundo de como desenvolvimento e sustentabilidade podem andar juntos, como guardião da vida e da biodiversidade. Contamos com o seu compromisso e liderança para transformar essas demandas em realidade.


Esse documento é assinado por:

  • Pastora Andrea Alechandre (Igreja do Evangelho Quadrangular) – Rio Branco/Acre
  • Dom Roque Paloschi (Arquidiocese de Porto Velho) – Porto Velho/Rondônia
  • Maria da Rocha (Guardiões do Bem Viver) – Lago Grande, Santarém/Pará
  • Mãe Jô Santos (Terreiro de São Jorge Tumajamacê) – São Luís/Maranhão
  • Rayana Burgos (Rede Terreiros pelo Meio Ambiente) – Recife/Pernambuco
  • Ir Maria Irene Lopes (Rede Eclesial Pan-Amazônica – REPAM)
  • Pastora Romi Bencke (Conselho Nacional de Igrejas Cristãs – CONIC)
  • Mametu Nangetu (Terreiro Manso Massumbando Quem Quem Neta)
  • Denildo Rodrigues de Moraes (Coordenação Nacional de Articulação das Comunidades Negras Rurais Quilombolas – CONAQ)