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Saúde Mental e Mudanças Climáticas

Era 1955 quando o poeta recifense, João Cabral de Melo Neto, publicava sobre as migrações impostas pela Injustiça Climática, mesmo que ainda não tivesse esse nome. Em “Morte e Vida Severina”, guiado pelo rio Capibaribe, o protagonista é atravessado pela presença constante da morte que, diante da narrativa, lhe parece uma alternativa ao sofrimento. Em seu cerne, trata-se de um enredo sobre Saúde e Clima, mesmo que, mais uma vez, não tivesse esse nome.  

Na história que percorre séculos, Severino é marcado por uma existência social e física, pois ocupa espaços que o carregam de significados. Da mesma forma, funcionamos nós, seres humanos não fictícios. No texto a seguir, que começa de forma retrospectiva, na década de 50, precisamos falar de problemas que continuam atuais, mas que ainda não ocupam o centro das discussões sobre a garantia de direitos: os impactos das mudanças climáticas na saúde mental. 

De acordo com a OMS, Saúde Mental é um estado de bem-estar que permite que as pessoas desenvolvam habilidades, lidem com momentos desafiadores da vida, trabalhem de forma produtiva, e contribuam para a sua comunidade. Mas, o conceito tem um significado plural e precisa considerar dimensões sociais, econômicas e políticas, por exemplo, como fatores que sustentam esse estado. Portanto, a Saúde Mental pensa um ser humano contextualizado, com uma existência mental que nasce da sua interação com o mundo. 

Dessa forma, nosso texto pretende entender a crise climática enquanto cenário que gera sofrimento, uma vez que tem impacto direto no acesso a recursos fundamentais à vida. É importante pontuar que, apesar de passar por períodos de resfriamento e aquecimento, o planeta enfrenta um processo diferente, acelerado pelas emissões dos gases de efeito estufa. Nos últimos 200 anos, a temperatura média global sofreu um aumento de aproximadamente 1,1º C, o que no passado, levaria de milhares a milhões de anos para acontecer. 

Na saúde, de forma geral, as mudanças do clima vão afetar a forma com a qual as pessoas vivem e morrem, porque as manifestações do aumento da temperatura global, como as chuvas ou secas intensas, tem impactos na segurança alimentar e hídrica, na propagação de doenças, na poluição do ar, entre outros. 

Na saúde mental, as consequências são muitas. Estudos sobre o comportamento em modelos animais, utilizam o aumento da temperatura ambiente como forma de gerar estresse em ratos de laboratório. Já em 2017, pesquisas apontaram a relação entre as ondas de calor e comportamentos de automutilação, ou hospitalizações por questões psiquiátricas, em humanos. Dentre aqueles que são afetados pelas temperaturas crescentes, as mulheres têm maior probabilidade de desenvolver dificuldades em saúde mental, em função de vulnerabilidades que aumentam sua susceptibilidade a condições relacionadas às mudanças climáticas.

Também, as destruições causadas pela emergência do clima, como os danos à estrutura pública e privada, ao armazenamento de recursos, ou as quedas de energia, levam a lesões físicas, ao trauma e ao isolamento, além de ameaçarem direitos à moradia digna e ao transporte público. 

Nesses casos, as pessoas passam pelo luto relacionado ao desligamento de algo ou alguém que  era significativo. Nas inundações, as pessoas estão sujeitas às perdas, mas também, ao medo de novos e mais intensos lutos, afinal, a crise climática tende a aumentar a incidência de eventos extremos. Diante dessas ameaças, se vê uma crescente no número de pessoas que vivem em estado de ansiedade, que respondem a um mundo em que as ações ainda são insuficientes para limitar o aquecimento a temperaturas recomendadas.

Em 2003, o termo solastalgia veio para acolher os sentimentos das vítimas dos cenários de degradação ambiental. Ele fala sobre os transtornos psicológicos que resultam de mudanças destruidoras do território, em função, dentre outras coisas, da mudança climática. Trata-se de um sentimento de violação do “seu lugar no mundo”, e, consequentemente, da sua identidade. 

Recuperando a ideia de Justiça Climática que marca a história dos “Severinos” em todo o mundo, é importante pontuar que as consequências da emergência climática são influenciadas pela interação entre a forma em que a sociedade se organiza e os eventos ambientais. Portanto, sofrem impactos mais intensos, populações que já são marcadas por sofrimentos sociais, sofrimentos que tem origem nas situações de injustiça, e que se escondem em contextos de negligência com a população.

Por isso, em 2023, João Cabral de Melo Neto se faz contemporâneo e, ao contar a história de um retirante, conta também a história das milhares de vítimas das chuvas de 2022. Fala das pessoas forçadas a saírem de suas casas, em Pernambuco; das enchentes no Sul da Bahia e das recentes inundações na Região Norte do país. 

 

Referências:

 

BERRY, H. L. et al. The case for systems thinking about climate change and mental health. Nature Climate Change, v. 8, n. 4, p. 282–290, abr.  2018. 

 

Da solastalgia à alegremia | Movimento Mundial pelas Florestas Tropicais. Disponível em: <https://www.wrm.org.uy/pt/artigos-do-boletim/da-solastalgia-a-alegremia>. 

 

Precisamos falar sobre a saúde mental das mulheres e as mudanças climáticas. Disponível em: <https://www.empoderaclima.org/pt/base-de-dados/artigos/precisamos-falar-sobre-a-saude-mental-das-mulheres-e-as-mudancas-climaticas>. 

 

STEFFENS, S. R. DESASTRES NATURAIS: ASPECTOS PSICOLÓGICOS E TRANSTORNO DE ESTRESSE PÓS-TRAUMÁTICO ORIUNDOS DE UMA INUNDAÇÃO. Anuário Pesquisa e Extensão Unoesc São Miguel do Oeste, v. 3, p. e19667–e19667, 30 out. 2018. 

 

WERLANG, R.; MENDES, J. M. R. Sofrimento social. Serviço Social & Sociedade, p. 743–768, dez. 2013. 

 

Nome do Autor: Amanda Suarez

Mini Biografia: Estudante de Psicologia e ativista climática, engajada em projetos sobre saúde, clima e juventudes.

Presente de Yemoja Sustentável: um caminho para sustentabilidade.

As religiões que possuem como origem os Povos tradicionais de Matrizes Africanas (POTMA) tem como elemento primordial a preservação e conservação dos espaços naturais sagrados. No Brasil, os saberes e fazeres ancestrais, ou seja, a cosmovisão desses povos fora preservada nas Unidades Territoriais Tradicionais (UTT) também conhecidas como Terreiros, Abassás, Kwes, Ilê asé entre outros.  A diversidade de tradições dos potmas torna ainda mais desafiadora e complexa essa relação territorial. De modo geral as religiões afro-brasileiras possuem a crença que exista uma energia vital única em cada ser vivo ou elemento constituinte da natureza. Esse conceito tradicional é chamado de Axé (Asé). O Axé pode ser compreendido como a partícula divina, sendo esse o princípio que une e transpassa a todas as religiões afro-brasileiras.    

Os espaços naturais sagrados são considerados altares naturais, locais que funcionam como fonte originária do Axé. Cada ambiente possui uma determinada função e propriedade específica de manutenção e renovação do Axé contido em cada ser vivo.  Os  principais espaços naturais utilizados pelos potmas são os Mares, Mangues, rios, encruzilhadas, montanhas, feiras livres, mercados, bosques, estradas etc..  A não utilização desses espaços, assim como elementos que não pertencem ao mesmo ou interferem na dinâmica natural do ambiente como sujeiras, poluição, desmatamento, lixo, queimadas, interferem diretamente na manutenção das tradições religiosas dos potmas. 

O mar/praias são os espaços naturais mais utilizados por esses povos tradicionais, por se tratar de um local de resgate, purificação e interseção entre o território atual (Brasil)  e o continente africano.  No Brasil a maior festa popular que possui como origem as tradições africanas são os festejos dos Presentes à Yemoja. A divindade Yemoja é considerada a Rainha do Mar apesar de ter o domínio sobre as águas dos rios em sua cidade natal. 

 Tradicionalmente os presentes são feitos e organizados pelos potmas, em alguns locais possuem forte participação dos pescadores, marisqueiras e outros povos tradicionais. Em sua maioria essas devoções são motivadas pelos agradecimentos de uma boa pesca (pelos pescadores) e por inúmeras graças obtidas pela misericórdia da divindade Yemoja.  A poluição dos mares impacta diretamente aos festejos a rainha do mar, assim como todos os povos tradicionais que dele sobrevivem. 

Compreendendo a necessidade do resgate tradicional das festas dos Presentes de Yemoja e entendendo que esse evento pode contribuir para uma mudança geral no paradigma ambiental para toda a sociedade, nasce o Presente de Yemoja Sustentável.  Esse presente tem como objetivo conscientizar os potmas assim como todos os participantes do evento que podemos fazer a manutenção da nossa fé (Axé) sem poluir os espaços naturais sagrados.  Esse presente é feito apenas como produtos naturais, substituindo os objetos, recipientes e outros elementos industrializados por peças artesanais produzidos pelas Utts que possuem como matéria prima apenas materiais orgânicos. 

 O primeiro Presente de Yemoja Sustentável ocorreu no ano de 2020, na praia do Recôncavo em Sepetiba, Rio de Janeiro-RJ.  Esse presente ocorreu graças a comissão organizadora do Presente á Yemanja em Sepetiba que é realizado no segundo domingo de fevereiro desde  o ano de 1994.  O evento já orientava seus participantes a não utilizarem garrafas de vidro como medida para minimizar os impactos ambientais proporcionado pelas oferendas ofertadas durante o evento.  No ano seguinte, entendendo a importância social, ambiental e educacional que o evento pode ter, a comissão organizadora cria uma coordenação específica voltada para assuntos ambientais, convidando o idealizador do Presente de Yemoja Sustentável a integrar oficialmente ao evento. A partir do ano de 2021 apenas oferendas sustentáveis foram direcionadas ao mar.  

O Balaio Cerimonial Sustentável ofertado a divindade Yemoja é composta por uma boneca feita de palha de milho (coletada nos mercados e feiras da região). Esse material natural também é facilmente encontrado nos terreiros, pois compõe um dos pratos tradicionais dedicados a divindade da prosperidade, o Orixá Oxóssi. Esse orixá é um dos filhos de Yemoja, logo sempre presente ao redor de sua mãe. 

Outro objeto importante que compõe essa oferenda é o abebé (Espelho de mão) que em sua maioria é produzido de plástico, metais, vidros ou papelão revestido de tecidos industrializados. Esses materiais poluentes, que contribuem para poluição dos mares, principalmente pela problemática dos microplásticos, são substituídos por taliscas de mariwo (nervura das folhas de dendezeiro) e trabalhados artesanalmente com palhas da costa. O abebé sustentável não utiliza o espelho em sua composição, por entender que esse objeto simbólico pode cortar e poluir ainda mais a casa dos irmãos marinhos. 

Os vidros de perfumes industrializados presentes nas oferendas, são substituídos por Omi eró ( Águas de ervas aromáticas ) que tradicionalmente são utilizadas as divindades iyagbás ( mulheres). A erva Colônia, makasá e principalmente o manjericão branco são as principais ervas utilizadas. Esses vegetais trazem consigo o Axé da calma, equilíbrio, e boas vibrações para as pessoas que as utilizam.  O cesto de vime que é utilizado para armazenar todos os elementos da oferenda, representando o “corpo” é ressignificado a partir de um balaio de folha de coqueiro, outro vegetal tradicional muito utilizado pelos potmas. 

Os pentes, sabonetes e garrafas de champagne que são ofertados para a rainha do mar são substituídos por alimentos tradicionais como frutas e comidas. No presente sustentável, a quantidade de cada elemento utilizado é repensada, trabalhando assim as relações de consciência ambiental pelo excesso de consumo.  A recomendação é que todos os participantes se alimentem das comidas tradicionais após o processo de sacralização das oferendas, para que assim restabeleçam o axé de cada participante e fortaleçam o elo com a divindade Yemoja.  

 Os eventos dedicados a rainha do mar são excelentes oportunidades de se trabalhar uma educação ambiental decolonial sustentável assim como os preconceitos e acabar com o racismo estrutural e religioso. 

 

por Rodrigo Carneiro – Babazinho (Iwin L’orun Egbe Tayó) 

Professor de biologia (Seeduc), Pedagogo, Mestre em ensino de ciências, ambiente e sociedade (UERJ-FFP) , especialista em educação étnico -racial (UFRRJ), Sacerdote do Terreiro de Obatalá – Ile Omi Orun, fundador presidente do Instituto Terreiro Sustentável. Atuo com educação ambiental popular de terreiro, sustentabilidade e saúde.

Interpretando a Bíblia com olhares decoloniais 

 

Fala minha lindeza climática 🙂 

Antes da gente começar, deixa eu me apresentar.

Meu nome é Amanda Costa, sou comunicadora climática, internacionalista e ativista. Fundei o Instituto Perifa Sustentável, apresento o programa de Televisão #TemClimaPraIsso e hoje ocupo a posição de Jovem Conselheira do Pacto Global da ONU. Apesar de ser bastante coisa, enxergo essas atividades não apenas como trabalho, mas parte da missão que Jesus Cristo colocou em meu coração. 

 

Me envolvi com a luta ambiental decolonial e agora quero ampliar narrativas antirracistas. Até porque, já está na hora da gente combater aquele ambientalismo colonial que não traz a perspectiva de raça, gênero e classe para o debate. Ou seja, precisamos desmistificar o discurso daqueles doidos que falam que o lixo, o desmatamento e a miséria são culpa do pobre, sem pensar em toda a construção histórica que formou os lugares sociais que ocupamos hoje. 

 

Pois é, minha querida leitora. Tudo tem uma lógica por trás.

 

Apesar desse papo ser totalmente cringe, ainda existe uma galeeeera que defende o ambientalismo fundamentado numa ecologia colonial, patriarcal e racista, que preserva os interesses daqueles que há séculos ocupam um lugar de poder, privilégio e domínio no mundo.

 

Esse padrão de pensamento é bemmm antigo, também conseguimos encontrar no primeiro livro da Bíblia, na história da Arca de Noé. De acordo com Moisés, líder do povo de Israel que escreveu os primeiros cinco livro da Bíblia, Deus mandou Noé construir uma Arca para salvar a sua família junto com algumas espécies de animais, pois o Criador estava zangado com o pecado do povo e decidiu recomeçar do zero, destruindo a Terra e seus habitantes com fortes chuvas.

 

Esse torozão durou 40 dias e 40 noites, ficando conhecido como Dilúvio. 

 

Além da perspectiva religiosa, quero te convidar a analisar a história da Arca de Noé a partir de uma metáfora política. De acordo com Malcom Ferdinand, a “A arca de Noé  estabelece as balizas dos possíveis pensamentos sociais e políticos relativos às maneiras de enfrentar a crise ecológica. a Arca de Noé traz a cena do mundo no coração do ambientalismo moderno, comportando um política de embarque. Desse modo, ela simboliza um impulso inicial de ações e discursos que tem a função de construir esse embarque político e metafórico de um mundo diante da catastrófe.” 

 

A questão que fica é: quem tem o direito de entrar na Arca? Quem são os eleitos e quem são os excluídos?

Esse sistema, que elege uns em detrimento de outros, reproduz uma narrativa segregacionista, fortemente utilizada por líderes religiosos para manter o padrão de exclusão, marginalização e invisibilidade de corpos que não se encaixam no padrão de comportamento pregado e esperado.

 

Veja só essa parte do livro Uma Ecologia Decolonial, do Malcom Ferdinand:

“O que acontece na Terra, com os solos e com as florestas repercute no próprio corpo dos humanos, assim como em suas condições de vida sociais e políticas, e vice-versa. O solo das plantantions e o corpo dos escravizados confundem-se em uma única Terra-Negra subjugada pelo habitar colonial. Manter juntos antiescravagista, anticolonialismo e ambientalismo, desfazer-se da sombra do porão do antropoceno: essa é a missão de uma ecologia decolonial.” 

 

Os impactos da narrativa colonial não param por aí. Após o dilúvio, relatos bíblicos dizem que o líder Noé dormiu embriagado de vinho e Cam, um de seus filhos, expôs a nudez do pai aos irmãos com zombaria. Ao acordar, o pai amaldiçoou Canaã, filho de Cam, a ser “servo dos servos”. Como Cam e seus descendentes povoaram a África, esse episódio de Gênesis foi utilizado tanto por Negreiros europeus como pelos comerciantes árabes-muçulmanos do tráfico negreiro para justificar o injustificável: a escravidão do povo preto. 

 

Agora eu te pergunto: oque fazer para mudar esssa realidade?

Numa sociedade marcada pelo racismo, o corpo negro é constantemente relacionado a um lugar de pobreza, violência e exploração. Desse modo, o embranquecimento foi visto como solução para a redenção. Dá uma olhadinha no quadro abaixo:

 

  • Mulher negra retinta descalça, pisando na terra. Isso significa que ela está distante da civilização, próxima da natureza;
  • Filha com traços evidentes da mestiçagem, provavelmente fruto de um estupro. A filha está com os pés entre a Terra e o chão pavimentado.
  • Homem branco que carrega um sorriso de satisfação/deboche e um olhar de superioridade, passando uma sensação de que “cumpriu seu dever”. Ele tem os pés calçados, está num piso pavimentado e sentado na entrada de uma propriedade.

Esse quadro representa um contexto eugenista e traz a ideia de que o clareamento da pele siginifica algo positivo. Da mesma forma que a pele negra está relacionada com *maldição* e a natureza é enxergada como atraso, a pele branca foi relacionada com *redenção* e o *urbano* como evolução. Essa imagem reflete a maneira que o mundo colonial aprendeu a habitar a Terra: explorando a natureza, destruindo o meio ambiente e degradando os ecossistemas do planeta.

 

Por mais incômodo que seja, precisamos trazer essa conversa para a mesa. Vivemos num mundo cortado pelo racismo, pelo preconceito e pelo patriarcado. Se nós, enquanto pessoas que desenvolvem uma espiritualidade, não puxarmos esse assunto, deixamos à deriva para que narrativas estereotipadas de quem não entende o nosso universo sejam criadas. Já dizia Martin Luther King:

 

“A verdadeira paz não é somente a ausência de tensão, é a presença de justiça.”

 

Querida leitora, agora quero deixar uma coisa bem escura: esse artigo não é uma crítica contra a Bíblia, mas sim uma crítica a interpretação que alguns líderes religiosos fizeram dela. Nesse momento eu te convido a fechar os olhos, respirar fundo e orar baixinho. Converse com o Espírito Santo e peça sabedoria, diga para ELE te revelar toda a verdade escondida na história. 

 

Lembre-se: “Conhecereis a verdade e a verdade vós libertará.” (João 8:32)

 

Mini biografia: Amanda Costa é ativista climática, jovem conselheira do Pacto Global da ONU, fundadora do Instituto Perifa Sustentável e apresentadora do #TemClimaParaIsso?, um programa sobre crise climática. Formada em Relações Internacionais, Amanda foi reconhecida como #Under30 na revista Forbes, TEDx Speaker, LinkedIn Top Voices e Creator e em 2021 foi vice-curadora do Global Shapers, a comunidade de jovens do Fórum Econômico Mundial.

Ecoteologia Decolonial

Pensar a Ecoteologia Decolonial é desafio por se tratar, nela mesma, de um questionamento aos parâmetros, há séculos estabelecidos, para a Teologia como conhecemos. Passa, portanto, do ambiente da teorização para o chão da vida real de culturas e espiritualidades subalternizadas. No seu caso, se apresenta como uma postura profética, ainda mais ao constituir um binômio com o Decolonial. Isso torna esse texto ainda mais desafiador, tentando ler um caminho que, ao mesmo tempo que experimenta a espiritualidade a partir da harmonia em toda a criação, apresenta uma reflexão crítica sobre esta pelo método dos estudos pós-coloniais com respeito à revelação de Deus escrita e criada. E, a partir de então, fazer uma contribuição para que a Igreja de Jesus compreenda o chamado a reconciliação, constante em todo texto bíblico, mas evidenciado em II Cor 5: 18 – 20. E para continuar dizendo que é necessário descolonizar a Teologia.

No desdobrar da minha formação, há uma construção que, alinhada com a prática da educação popular, aponta um processo dialógico com a formação teológica. Nela, ainda solitariamente, pela ausência de contribuições nas escolas superiores de teologia, iniciei a busca de como se dá a relação de Deus com sua criação, uma vez que temos por certa sua imanência como transparência no que houvera criado.

Neste sentido, para dar nome ao que buscava como sendo a compreensão da fé alinhada com o meio ambiente, inicialmente, encontrei o conceito de “Teologia da Criação”. Este, logo foi compreendido como parte do processo por se limitar ao estudo da teologia contida no ato criador de Deus. A busca por um aprendizado transversal, que me incomodava ausente na abordagem rasa que encontrava a respeito dessa imanência, me levou a acessar no texto do teólogo Afonso Murad o aprofundamento a respeito da Ecoteologia(MURAD, 2019).

Mas, o que viria a ser ela?

O texto de Murad, apesar de muito didático, elucidativo e inspirador, não trouxe uma definição naquele momento. Assim, inspirado pelas definições conhecidas de Teologia, que aponta sua razão de ser, busquei entender a construção da palavra “ecoteologia”. Então,  me atrevi a elaborar uma definição para fazer meus estudos fluírem mais tranquilos. E aqui, para que se torne mais palatável este nosso diálogo, vamos entender o binômio como dois conceitos.

Em primeiro lugar, para visualizar a Ecoteologia, podemos considerar que o termo é constituído pelo encontro de três radicais gregos, a saber, (Oikos + Theos + Logos). E assim, didaticamente, pode-se entender essa construção da Ecoteologia onde o primeiro termo (Oikos) se refere ao todo criado por Deus, o termo (Theos) que refere-se à própria divindade e o terceiro (Logos) traz além do conceito de palavra, mas a palavra que cria e diz sobre a sua própria Criação que é “muito bom” (Gn 1:31)(NASCIMENTO JUNIOR, 2022)

Desse modo, fazendo o encontro de cada significado na formação da palavra “Ecoteologia”, me aventurei em defini-la como “…o estudo sistemático da palavra da divindade sobre tudo o que ela criou.”(NASCIMENTO JUNIOR, 2022).

Mas, por ainda me encontrar num ambiente incômodo, precisava compreender como essa reflexão, a respeito da relação de Deus com sua Criação, se materializa a partir do meu território, da minha cultura e não apenas mediada por um pacote das experiências culturais de outro chão. Assim, venho ressignificando minhas práticas e conceitos da espiritualidade que levam a pensar sobre minhas raízes e cultura composta por negros que vieram sequestrados da África e indígenas dessas terras chamadas pelo colonizador de Brasil.

Em segundo lugar, para pensar a Ecoteologia, ou começar uma contribuição para a mesma, necessitamos, após a compreensão do primeiro termo deste binômio, entender o que vem a ser o segundo, a saber “Decolonial”. E, para isso, faz-se necessário assumir o território como constituído e constitutivo dos/as que foram subalternizados/as pela colonialidade imposta, inclusive, através da teologia num maniqueísmo que põe em polos opostos o sobrenatural e o natural, onde o corpo, a terra e o que seja natural ou diferente do seu padrão definido, é explorável e subalternizável. Essa definição de colonialidade, encontramos no trabalho do sociólogo peruano Anibal Quijano (QUIJANO, 2005)

Neste sentido, “Decolonial” é a contraposição à colonialidade estabelecida no meio teológico. Pensando que a teologia eurocentrada sendo colonial, estabelece uma relação com Deus apenas sobrenatural, “esquecendo” que é na dimensão do material, do corpo, do natural que acontece a encarnação do Filho de Deus, objeto de sua missão de reconciliação. Por isso é necessário estabelecer uma decolonialidade na reflexão da espiritualidade na criação sobre os escombros que a colonização deixou. Desse modo a Ecoteologia Decolonial deveria ser desnecessária, ao passo que as teologias cumprissem o papel de refletir sobre Deus, sua imanência e sua operação salvífica do mundo criado. Por isso, o lugar da Ecoteologia Decolonia é primeiramente profético e, por conseguinte, de construção de novidade de vida para o ambiente teológico (Rm 6:4). Desse modo, podemos afirmar que este fazer se estabelece na conexão com a divindade, pela harmonia entre todos os seres na criação que revela o Criador. Seres humanos e não humanos. Porém, não é possível se não contextualizar que, para a Ecoteologia ser, a partir da harmonia na criação de Deus nos territórios subalternizados, ela precisa ser Decolonial, pois entende a Criação, não como ativos ou recursos, mas como um organismo vivo no Criador e a partir de onde o próprio se manifesta, se relaciona e salva. Essas poucas palavras são parte do que podemos aprofundar sobre a Ecoteologia Decolonial, lastreada pelas epistemologias do sul, as teologias Negra e Indígena, e a manifestação de Deus atuante na criação para fora das paredes eclesiásticas e a importância fundamental da Igreja corpo.

Espero continuar essa conversa com vocês daqui por diante.

Que Deus te Bendiga.

REFERÊNCIAS E INDICAÇÕES DE LEITURA

MURAD, A. T. DE DOMINADORES A IRMÃOS: UM DIÁLOGO DA ECOTEOLOGIA COM J. RIECHMANN ACERCA DA LIBERTAÇÃO ANIMAL. Em: TAUCHEN, J. (Ed.). Cordeirio de Deus: Festschrift  em homenagem a Luiz Carlos Susin. 1. ed. [s.l.] Editora Fundação Fênix, 2019. p. 51–86.

MURAD, Afonso O NÚCLEO DA ECOTEOLOGIA E A UNIDADE DA EXPERIÊNCIA SALVÍFICA Revista Pistis & Praxis: Teologia e Pastoral, vol. 1, núm. 2, julio-diciembre, 2009, pp. 277-297 Pontifícia Universidade Católica do Paraná Curitiba, Brasil

NASCIMENTO JUNIOR, J. ECOTEOLOGIA DECOLONIAL SISTEMÁTICA: UM INÍCIO, UMA  CONTRIBUIÇÃO. Anais Eletrônicos da XXV Semana Teológica da Unicap, p. 140–148, 2022.

QUIJANO, A. Colonialidade do poder, eurocentrismo e América Latina. n. CLACSO, Consejo Latinoamericano de Ciencias Sociales, 2005. 

 

Josias Vieira do Nascimento Junior é Ecoteólogo da Igreja Batista em Coqueiral (Recife) e fundador do movimento Nós na Criação.