Saúde Mental e Mudanças Climáticas
Era 1955 quando o poeta recifense, João Cabral de Melo Neto, publicava sobre as migrações impostas pela Injustiça Climática, mesmo que ainda não tivesse esse nome. Em “Morte e Vida Severina”, guiado pelo rio Capibaribe, o protagonista é atravessado pela presença constante da morte que, diante da narrativa, lhe parece uma alternativa ao sofrimento. Em seu cerne, trata-se de um enredo sobre Saúde e Clima, mesmo que, mais uma vez, não tivesse esse nome.
Na história que percorre séculos, Severino é marcado por uma existência social e física, pois ocupa espaços que o carregam de significados. Da mesma forma, funcionamos nós, seres humanos não fictícios. No texto a seguir, que começa de forma retrospectiva, na década de 50, precisamos falar de problemas que continuam atuais, mas que ainda não ocupam o centro das discussões sobre a garantia de direitos: os impactos das mudanças climáticas na saúde mental.
De acordo com a OMS, Saúde Mental é um estado de bem-estar que permite que as pessoas desenvolvam habilidades, lidem com momentos desafiadores da vida, trabalhem de forma produtiva, e contribuam para a sua comunidade. Mas, o conceito tem um significado plural e precisa considerar dimensões sociais, econômicas e políticas, por exemplo, como fatores que sustentam esse estado. Portanto, a Saúde Mental pensa um ser humano contextualizado, com uma existência mental que nasce da sua interação com o mundo.
Dessa forma, nosso texto pretende entender a crise climática enquanto cenário que gera sofrimento, uma vez que tem impacto direto no acesso a recursos fundamentais à vida. É importante pontuar que, apesar de passar por períodos de resfriamento e aquecimento, o planeta enfrenta um processo diferente, acelerado pelas emissões dos gases de efeito estufa. Nos últimos 200 anos, a temperatura média global sofreu um aumento de aproximadamente 1,1º C, o que no passado, levaria de milhares a milhões de anos para acontecer.
Na saúde, de forma geral, as mudanças do clima vão afetar a forma com a qual as pessoas vivem e morrem, porque as manifestações do aumento da temperatura global, como as chuvas ou secas intensas, tem impactos na segurança alimentar e hídrica, na propagação de doenças, na poluição do ar, entre outros.
Na saúde mental, as consequências são muitas. Estudos sobre o comportamento em modelos animais, utilizam o aumento da temperatura ambiente como forma de gerar estresse em ratos de laboratório. Já em 2017, pesquisas apontaram a relação entre as ondas de calor e comportamentos de automutilação, ou hospitalizações por questões psiquiátricas, em humanos. Dentre aqueles que são afetados pelas temperaturas crescentes, as mulheres têm maior probabilidade de desenvolver dificuldades em saúde mental, em função de vulnerabilidades que aumentam sua susceptibilidade a condições relacionadas às mudanças climáticas.
Também, as destruições causadas pela emergência do clima, como os danos à estrutura pública e privada, ao armazenamento de recursos, ou as quedas de energia, levam a lesões físicas, ao trauma e ao isolamento, além de ameaçarem direitos à moradia digna e ao transporte público.
Nesses casos, as pessoas passam pelo luto relacionado ao desligamento de algo ou alguém que era significativo. Nas inundações, as pessoas estão sujeitas às perdas, mas também, ao medo de novos e mais intensos lutos, afinal, a crise climática tende a aumentar a incidência de eventos extremos. Diante dessas ameaças, se vê uma crescente no número de pessoas que vivem em estado de ansiedade, que respondem a um mundo em que as ações ainda são insuficientes para limitar o aquecimento a temperaturas recomendadas.
Em 2003, o termo solastalgia veio para acolher os sentimentos das vítimas dos cenários de degradação ambiental. Ele fala sobre os transtornos psicológicos que resultam de mudanças destruidoras do território, em função, dentre outras coisas, da mudança climática. Trata-se de um sentimento de violação do “seu lugar no mundo”, e, consequentemente, da sua identidade.
Recuperando a ideia de Justiça Climática que marca a história dos “Severinos” em todo o mundo, é importante pontuar que as consequências da emergência climática são influenciadas pela interação entre a forma em que a sociedade se organiza e os eventos ambientais. Portanto, sofrem impactos mais intensos, populações que já são marcadas por sofrimentos sociais, sofrimentos que tem origem nas situações de injustiça, e que se escondem em contextos de negligência com a população.
Por isso, em 2023, João Cabral de Melo Neto se faz contemporâneo e, ao contar a história de um retirante, conta também a história das milhares de vítimas das chuvas de 2022. Fala das pessoas forçadas a saírem de suas casas, em Pernambuco; das enchentes no Sul da Bahia e das recentes inundações na Região Norte do país.
Referências:
BERRY, H. L. et al. The case for systems thinking about climate change and mental health. Nature Climate Change, v. 8, n. 4, p. 282–290, abr. 2018.
Da solastalgia à alegremia | Movimento Mundial pelas Florestas Tropicais. Disponível em: <https://www.wrm.org.uy/pt/artigos-do-boletim/da-solastalgia-a-alegremia>.
Precisamos falar sobre a saúde mental das mulheres e as mudanças climáticas. Disponível em: <https://www.empoderaclima.org/pt/base-de-dados/artigos/precisamos-falar-sobre-a-saude-mental-das-mulheres-e-as-mudancas-climaticas>.
STEFFENS, S. R. DESASTRES NATURAIS: ASPECTOS PSICOLÓGICOS E TRANSTORNO DE ESTRESSE PÓS-TRAUMÁTICO ORIUNDOS DE UMA INUNDAÇÃO. Anuário Pesquisa e Extensão Unoesc São Miguel do Oeste, v. 3, p. e19667–e19667, 30 out. 2018.
WERLANG, R.; MENDES, J. M. R. Sofrimento social. Serviço Social & Sociedade, p. 743–768, dez. 2013.
Nome do Autor: Amanda Suarez
Mini Biografia: Estudante de Psicologia e ativista climática, engajada em projetos sobre saúde, clima e juventudes.