Interpretando a Bíblia com olhares decoloniais 

 

Fala minha lindeza climática 🙂 

Antes da gente começar, deixa eu me apresentar.

Meu nome é Amanda Costa, sou comunicadora climática, internacionalista e ativista. Fundei o Instituto Perifa Sustentável, apresento o programa de Televisão #TemClimaPraIsso e hoje ocupo a posição de Jovem Conselheira do Pacto Global da ONU. Apesar de ser bastante coisa, enxergo essas atividades não apenas como trabalho, mas parte da missão que Jesus Cristo colocou em meu coração. 

 

Me envolvi com a luta ambiental decolonial e agora quero ampliar narrativas antirracistas. Até porque, já está na hora da gente combater aquele ambientalismo colonial que não traz a perspectiva de raça, gênero e classe para o debate. Ou seja, precisamos desmistificar o discurso daqueles doidos que falam que o lixo, o desmatamento e a miséria são culpa do pobre, sem pensar em toda a construção histórica que formou os lugares sociais que ocupamos hoje. 

 

Pois é, minha querida leitora. Tudo tem uma lógica por trás.

 

Apesar desse papo ser totalmente cringe, ainda existe uma galeeeera que defende o ambientalismo fundamentado numa ecologia colonial, patriarcal e racista, que preserva os interesses daqueles que há séculos ocupam um lugar de poder, privilégio e domínio no mundo.

 

Esse padrão de pensamento é bemmm antigo, também conseguimos encontrar no primeiro livro da Bíblia, na história da Arca de Noé. De acordo com Moisés, líder do povo de Israel que escreveu os primeiros cinco livro da Bíblia, Deus mandou Noé construir uma Arca para salvar a sua família junto com algumas espécies de animais, pois o Criador estava zangado com o pecado do povo e decidiu recomeçar do zero, destruindo a Terra e seus habitantes com fortes chuvas.

 

Esse torozão durou 40 dias e 40 noites, ficando conhecido como Dilúvio. 

 

Além da perspectiva religiosa, quero te convidar a analisar a história da Arca de Noé a partir de uma metáfora política. De acordo com Malcom Ferdinand, a “A arca de Noé  estabelece as balizas dos possíveis pensamentos sociais e políticos relativos às maneiras de enfrentar a crise ecológica. a Arca de Noé traz a cena do mundo no coração do ambientalismo moderno, comportando um política de embarque. Desse modo, ela simboliza um impulso inicial de ações e discursos que tem a função de construir esse embarque político e metafórico de um mundo diante da catastrófe.” 

 

A questão que fica é: quem tem o direito de entrar na Arca? Quem são os eleitos e quem são os excluídos?

Esse sistema, que elege uns em detrimento de outros, reproduz uma narrativa segregacionista, fortemente utilizada por líderes religiosos para manter o padrão de exclusão, marginalização e invisibilidade de corpos que não se encaixam no padrão de comportamento pregado e esperado.

 

Veja só essa parte do livro Uma Ecologia Decolonial, do Malcom Ferdinand:

“O que acontece na Terra, com os solos e com as florestas repercute no próprio corpo dos humanos, assim como em suas condições de vida sociais e políticas, e vice-versa. O solo das plantantions e o corpo dos escravizados confundem-se em uma única Terra-Negra subjugada pelo habitar colonial. Manter juntos antiescravagista, anticolonialismo e ambientalismo, desfazer-se da sombra do porão do antropoceno: essa é a missão de uma ecologia decolonial.” 

 

Os impactos da narrativa colonial não param por aí. Após o dilúvio, relatos bíblicos dizem que o líder Noé dormiu embriagado de vinho e Cam, um de seus filhos, expôs a nudez do pai aos irmãos com zombaria. Ao acordar, o pai amaldiçoou Canaã, filho de Cam, a ser “servo dos servos”. Como Cam e seus descendentes povoaram a África, esse episódio de Gênesis foi utilizado tanto por Negreiros europeus como pelos comerciantes árabes-muçulmanos do tráfico negreiro para justificar o injustificável: a escravidão do povo preto. 

 

Agora eu te pergunto: oque fazer para mudar esssa realidade?

Numa sociedade marcada pelo racismo, o corpo negro é constantemente relacionado a um lugar de pobreza, violência e exploração. Desse modo, o embranquecimento foi visto como solução para a redenção. Dá uma olhadinha no quadro abaixo:

 

  • Mulher negra retinta descalça, pisando na terra. Isso significa que ela está distante da civilização, próxima da natureza;
  • Filha com traços evidentes da mestiçagem, provavelmente fruto de um estupro. A filha está com os pés entre a Terra e o chão pavimentado.
  • Homem branco que carrega um sorriso de satisfação/deboche e um olhar de superioridade, passando uma sensação de que “cumpriu seu dever”. Ele tem os pés calçados, está num piso pavimentado e sentado na entrada de uma propriedade.

Esse quadro representa um contexto eugenista e traz a ideia de que o clareamento da pele siginifica algo positivo. Da mesma forma que a pele negra está relacionada com *maldição* e a natureza é enxergada como atraso, a pele branca foi relacionada com *redenção* e o *urbano* como evolução. Essa imagem reflete a maneira que o mundo colonial aprendeu a habitar a Terra: explorando a natureza, destruindo o meio ambiente e degradando os ecossistemas do planeta.

 

Por mais incômodo que seja, precisamos trazer essa conversa para a mesa. Vivemos num mundo cortado pelo racismo, pelo preconceito e pelo patriarcado. Se nós, enquanto pessoas que desenvolvem uma espiritualidade, não puxarmos esse assunto, deixamos à deriva para que narrativas estereotipadas de quem não entende o nosso universo sejam criadas. Já dizia Martin Luther King:

 

“A verdadeira paz não é somente a ausência de tensão, é a presença de justiça.”

 

Querida leitora, agora quero deixar uma coisa bem escura: esse artigo não é uma crítica contra a Bíblia, mas sim uma crítica a interpretação que alguns líderes religiosos fizeram dela. Nesse momento eu te convido a fechar os olhos, respirar fundo e orar baixinho. Converse com o Espírito Santo e peça sabedoria, diga para ELE te revelar toda a verdade escondida na história. 

 

Lembre-se: “Conhecereis a verdade e a verdade vós libertará.” (João 8:32)

 

Mini biografia: Amanda Costa é ativista climática, jovem conselheira do Pacto Global da ONU, fundadora do Instituto Perifa Sustentável e apresentadora do #TemClimaParaIsso?, um programa sobre crise climática. Formada em Relações Internacionais, Amanda foi reconhecida como #Under30 na revista Forbes, TEDx Speaker, LinkedIn Top Voices e Creator e em 2021 foi vice-curadora do Global Shapers, a comunidade de jovens do Fórum Econômico Mundial.