gerenciar

Uma Amazônia preta, quilombola e plural

Talvez a primeira imagem que vem à mente das pessoas quando elas escutam a palavra Amazônia seja floresta. De fato, essa associação não está equivocada, o bioma Amazônico é sim o mais extenso e mais conhecido do Brasil, atravessando 9 estados brasileiros e perpassando outros 5 países da América do Sul. Mas essa extensão não se limita às dimensões territoriais, ela contribui para que existam muitas Amazônias dentro da Amazônia e que pulsam, sobretudo, diversidade. 

E foi uma dessas Amazônias plurais que eu pude conhecer ao participar, representando a Iniciativa Fé no Clima, durante o  “Amazônia Terra Preta – ATP”. O ATP é um evento realizado em Macapá pelo Instituto Mapinguari, organização que tem por objetivo desempenhar as atividades de “Proteção, Pesquisa e Educação Socioambiental”, no âmbito da Amazônia. 

Segundo Yuri Silva, um dos co-fundadores do instituto, o ATP busca promover a integração e a consolidação das lutas raciais atreladas às questões ambientais climáticas”. Durante os dois dias de atividades o que mais reverberou foi a pluralidade da Amazônia. Que é floresta, que é território de muitos povos indígenas, mas que também é urbana, quilombola, preta, congrega muitos movimentos, iniciativas e é também referência no que diz respeito à luta e resistência dos territórios e das pessoas que nela vivem.
Para Hannah Balieiro, co-fundadora e diretora executiva do Instituto Mapinguari, dentro da Amazônia a gente precisa também resgatar essa identidade, memória e construção negra da Amazônia. (…) poder trazer isso dentro de um evento onde a gente traz pesquisadores/as a nível nacional e internacional junto das nossas comunidades de base e da galera que está dentro das associações, ressacas, periferias, baixadas e quilombos, e a gente traz isso de uma maneira muito enriquecedora. Porque está todo mundo conversando, convergindo e pensando soluções. Cada um sozinho, mas quando a gente se junta (a gente vê) que tá todo mundo indo para o mesmo lugar, tentando amenizar questões que a crise climática tem agravado, que são as desigualdades..”.


Justiça Climática e o estado do Amapá 

O painel de abertura da programação, facilitado pela jornalista e especialista em Justiça Climática, Andréia Coutinho, foi justamente sobre racismo ambiental e justiça climática. Temas que são pontos de partida para qualquer debate ou planejamento acerca da emergência climática e que ilustram o panorama do Amapá em relação às demais unidades da federação brasileira. De acordo com os dados da plataforma SEEG referente ao ano de 2021, o Amapá é o estado brasileiro que menos contribui nas emissões totais de gases do Efeito Estufa, ocupando a 27° posição no ranking, ficando atrás, inclusive, do Distrito Federal. Sua capital – Macapá –  conforme os dados disponibilizados pelo IBGE, no ano de 2021, a cidade tinha como população estimada em 522.357 pessoas, que declaram-se majoritariamente como negros e negras.

 

Encontros e experiências potentes 

Uma das apostas do ATP foi trazer para o diálogo a valorização das experiências, culturas, as produções audiovisuais e as lideranças comunitárias. Lideranças como Claudete Santos, professora e ex-diretora da  Escola Quilombola José Bonifácio,  Paulo Cardoso, jovem amapaense, estudante de engenharia florestal e fundador do Coletivo Utopia Negra, entre outros. 

Cada uma dessas lideranças têm sido agentes de mudança em suas comunidades e provado que as soluções para as demandas socioambientais dos seus territórios já têm sido pensadas e realizadas nos próprias comunidades. E que as políticas públicas que precisam urgentemente chegar nesses locais necessitam considerar os saberes e mobilizações já existentes.

Fé no Clima no ATP 

Estar no ATP ,enquanto representante do Fé no Clima, trouxe oportunidade de conhecer pessoas, iniciativas e movimentos que são referências e que por razões estruturais dificilmente conseguem estabelecer conexões com outras organizações e iniciativas de outras regiões do país. 

Aproveitamos o momento para apresentar o Fé no Clima e realizar a distribuição do nosso Guia Fé no Clima – Reflexões sobre Mudanças Climáticas para Comunidades Religiosas, ações fundamentais para o fortalecimento, ampliação, diversificação e regionalização das nossas rede de lideranças religiosas e juventudes Fé no Clima. 

Além disso, um outro destaque dessa participação aconteceu durante a oficina de Agroecologia, realizada na Escola Quilombola da José Bonifácio. Onde  foi realizada a doação de exemplares de cada um dos cadernos do Guia Fé no Clima para a biblioteca da escola e para o professor Moisés, responsável pela disciplina de ensino religioso da instituição. 

 

Sharah Luciano
Pedagoga, pesquisadora, jovem ativista climática nascida no bioma Mata Atlântica e membro da equipe do Fé no Clima. 

As palavras não dão conta – Relatos das andanças II

Era manhã de sexta-feira e já estava na estrada. Indo na cabine da lotação pude admirar a caatinga que brilhava num verde vivo. Sempre me impressiono com a capacidade de resiliência deste bioma. Pode ter o acinzentado que for, basta algumas gotas d’água que tudo logo se esverdeiaia. A Caatinga fala mais de esperança do que imaginamos. Seguia em direção a Tabira, cidade no alto Pajeú, terra de poesia e cantoria.

Em Tabira revi amigas e fui em direção a casa de Dedé Monteiro, motivo de minha ida até a cidade. Dedé em Pernambuco é considerado o Papa da Poesia, tamanha sua importância para a cultura do estado. O que também lhe trouxe uma outra honraria, que talvez mais honre o estado do que a Dedé, o título de Patrimônio Vivo. Chegando em sua casa fui recebido com o que há de melhor para acolher alguém no sertão – rapadura e um copo de água bem gelado.

A conversa logo seguiu. Apresentei o trabalho que temos desenvolvido no Fé no Clima. Partilhei dos projetos que estão sendo realizados, dos encontros que tivemos e da fala inspiradora daquela viagem, a do Prof Fábio Scarano no último encontro nacional do Fé no Clima (realizado em novembro de 2022 na cidade de São Sebastião do Rio de Janeiro/RJ). 

No encontro o professor nos disse que a mudança de fundo a ciência não consegue tocar.  Que é no diálogo entre fé e clima, ciência e arte, ciência e religião que a gente vai conseguir alcançar o nosso objetivo ao tratar da crise climática – sensibilizar, mover as emoções e capacidades afetivas para o cuidado com a vida. Isto tocou o poeta que perguntou mais sobre o professor. Mostrei-lhe a foto tirada no evento do Rio da equipe do Fé no Clima com ele.

O centro da nossa conversa girou em torno do Rio Pajeú. O rio que corta as cidades daquela região, mas também corta a vida da gente, as nossas memórias, os nossos afetos. O rio que inspira tanta poesia. O poeta recordou as lembranças, desde a infância, que tem com o rio. Falou do Poço Escrito. Pedra misteriosa dentro do leito do rio e que desperta a curiosidade dos tabirenses. Até “recitou de có” uns versos seus:

“Quando o Poço Escrito enchia

A gente achava um colosso.

Ia bem cedo pro poço,

Passava o resto do dia.

O que eu não compreendia

Era um letreiro esquisito

Que alguém gravou no granito,

Talvez no tempo do Império,

Originando o mistério

Das pedras do Poço Escrito.”

A conversa que teve de ser encerrada pelo avançado da hora para o meu retorno terminou ao redor da mesa da cozinha – lugar de afeto e intimidade. Pedi ao Papa da poesia, recordando o outro Papa, Francisco, que a natureza e a ecologia possuíssem lugar central. Que inspirasse aos poetas e cantadores a poesia, mas também a ação, o cuidado e a conservação. Ao que ele me confirmou, como n’uma bênção.

Retornei para a casa com a alegria de ter conhecido Dedé. A paisagem que me acompanhou na ida, me animou na volta. O sol caindo sobre a caatinga lhe dava um brilho ainda maior. No coração a certeza de que se ela tanto nos deu, a ela devemos tanto nos dar. A esperança que ela nos inspira seja o combustível que nos alimenta na luta em defesa de sua preservação. 

Viva Dedé Monteiro! Viva o Rio Pajeú! Viva a Caatinga!

Paulo Sampaio, educador popular, ativista ambiental, membro da equipe Fé no Clima.

As palavras não dão conta: relatos das andanças parte I – Paulo Sampaio

Muito tenho aprendido em todos estes dias de missão rodando o país. Em meu coração pulsa forte a certeza de que do povo organizado virá nossa salvação. É da luta e da mobilização popular que a nova terra será construída. É do povo que age pela terra como a voz de Deus do “faça-se luz” que a transformação virá. São estes a fagulha da revolução e a centelha que recriará, e já o está fazendo, a nova humanidade pautada nos valores da cooperação, da preservação, do cuidado, do afeto, da interligação e da interdependência entre as espécies. 

Certa vez um monge amigo e mestre, Marcelo Barros, nos chamou atenção para um texto da tradição cristã, do primeiro testamento, sobre o Profeta Elias. O texto está no primeiro livro de Reis, no capítulo 19, e fala de um punhado de gente que Deus “fez sobrar” e que não se dobraram diante do poder que queria corromper o povo. Esse punhado de gente que Deus fez sobrar lá no tempo do Profeta Elias é hoje este nosso povo organizado nas bases. Um povo que não se dobra ao poder da morte e da ganância que assola a terra e destrói a Criação na busca de uma riqueza ilusória e efêmera. Um povo que se organiza na base e, como pequenas formigas, têm transformado, pouco a pouco, sua realidade. Insistindo e resistindo.

Tenho rodado um pouco nos centros e rincões deste país e encontrado muitos sinais de esperança. Do Maranhão ao Mato Grosso, pessoas de fé têm se voltado a pensar a sua religiosidade e espiritualidade a partir de uma perspectiva de cuidado com a Terra, mãe-irmã. Passando por São Luís (MA), Cáceres, Rondonópolis e Cuiabá (MT) tenho visto e escutado lições preciosas. As palavras não dão conta de descrever a emoção de viver tudo isso, mas consegue, ainda que mínima e infimamente, dar vida a algumas dessas lições.

A primeira já foi dita e repetida, o povo organizado produz a verdadeira transformação, revolução. Depois que é através da formação, uma formação que une teoria e prática, a partir da vida do povo, que o povo começa a ter força e se organizar. Isto porque a formação empodera, dá força, e impele, estimula, instiga, as pessoas à ação. Outro ponto importante é a dimensão festiva e afetiva da luta. A vida não é feita somente de trabalho, trabalho e trabalho. Ela precisa ser vivida plenamente e celebrada, musicada e dançada, sentida e afetada. Precisa de profecia e poesia.

Destaco, por fim, não encerrando totalmente, mas concluindo esta parte (até porque tem muito mais vivido que não cabem nas palavras), o papel das juventudes. As juventudes que tem construído e arquitetado os processos de mudança, as articulações, os trabalhos de base, as rodas de conversa. De fato, o que nos disse em janeiro de 2019 o Papa Francisco vemos pulsante no chão da vida: a juventude é “o agora de Deus”. Ouvir as juventudes, suas demandas, suas ideias, sonhos e esperanças é um bom caminho para continuarmos a missão de guardar e cultivar a Criação de Deus.

Paulo Sampaio, educador popular, ativista ambiental, membro da equipe Fé no Clima.

O melhor das COPs é a volta pra casa. Uma saudação aos encantados que me acompanham. – Hannah Balieiro

 

Entre os dias de Santa Bárbara e Nossa Senhora da Conceição, volto para minha casa entre Oyá e Oxum, que guerreiam e acolhem. Encontrando afeto nos encontros do caminho.

 

As Conferências internacionais não são um lugar para você. Se você que está me lendo for um pouco assim como eu, jovem, preta, mulher, LGBTQIAP+. Por mais que na teoria estes sejam espaços para que a sociedade civil possa ter acesso a governos e negociações, não somos corpos bem quistos. 

 

Este texto não é sobre a COP27 em si, para saber mais do que ninguém te conta sobre esses espaços, recomendo o texto de Madalena Glaênia para a Agência Jovem. Estes escritos são sobre o caminho de volta para casa e o que encontramos ao longo dele. Sou uma jovem afro religiosa, nortista, moradora da Amazônia amapaense, meu caminho de volta sempre é longo e cheio de paradas. 

 

Nesse caminho destaco dois encontros onde pude experienciar o compartilhamento e acolhimento que nem sabia que precisava. O encontro Pós COP realizado pelo Greenpeace, foi o primeiro lugar onde pude ouvir de outros companheiros que estiveram na COP27 as violências que vivenciaram em um país que vive uma crise de direitos humanos, o Egito.

 

O segundo, o Encontro Fé no Clima realizado pelo ISER. Conhecer o Fé no Clima foi um momento de calmaria diante da tempestade, pautar nossa religião nos acalenta e nos cuida, pois a religião também é esse lugar do cuidado, do corpo e da alma. É o lugar onde posso compartilhar que em umbanda tudo é encantado, e que outras pessoas irão compreender o que digo, mas interpretar esse encantamento à sua maneira, à maneira que sua fé lhe toca.

 

É o lugar onde posso compartilhar a história do Pretinho da Bacabeira, um encantado da cidade de Soure, Ilha do Marajó, no Pará. Onde um certo prefeito da cidade precisou chamar um pajé e pedir permissão ao Pretinho, para que pudesse aterrar o Igarapé em que vive e assim passar uma estrada no local. E é aí que minha fé e o clima se encontram, quando deixamos de pedir permissão e tratar com respeito o que nos é sagrado, nos sustenta e dá vida, vamos vivenciando as “vinganças da terra”, como se referiu a liderança política indígena Davi Kopenawa às mudanças climáticas.

 

Foi imposto dentro de um processo colonial, às cidades que enchem e vazam, uma dinâmica de cidades estrangeiras, em nome de um desenvolvimento que não era nosso e de um dito processo civilizatório, passamos a ver como mercadoria o que nos é sagrado. Luiza Lian canta em sua música chamada Iarinhas o que acontece com os rios da nossas cidades e como isso reflete nas nossas vidas e nos seus encantados: 

 

“Essa rua tem o nome de um rio que a cidade sufocou

A vontade do rio de voltar

Às vezes sacode de algum lugar

Ele dorme até a chuva chegar

Mas a tempestade vem anunciar

E uma enchente lembra a população

Que o que é rua antes era vazão”

 

Hoje quem paga a conta da emergência climática são os que pedem permissão para entrar no rio ou pedem licença para colher, não aqueles que desmatam, queimam e aterram. Estar nesse lugar de vivenciar a morte de encantados me parte o coração, e me coloca a trabalhar em nome da justiça pelo que é matéria e também pelo que não é. Me sinto grata e aliviada por poder encontrar no Fé no Clima um lugar de acolhimento e de poder defender o meu sagrado.

 

Alô Amazonas, Guamá e Mirí, suas Iarinhas andam cantando suas ladainhas para mim.

 

Hannah Balieiro

Ativista, artista, arteira. Cabocla da Amazônia, afro religiosa nascida no Pará e criada no Amapá. Bacharel em biologia e diretora executiva do Instituto Mapinguari, sendo ponto focal na ReLLAC-j, educadora popular ativando o debate climático em comunidades tradicionais e cidades da Amazônia

 

O que é a COP e por que o ISER está na conferência

Realizada desde 1995, a COP (Conferência das Partes) é o encontro da Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre Mudança do Clima (UNFCCC) para dirigente políticos, mas que também reúne anualmente representantes de diversos países, cientistas e organizações da sociedade civil para debater a pauta climática. Durante a COP são discutidas práticas possíveis de serem aplicadas para a mitigação, adaptação e financiamento de projetos para países mais vulneráveis à crise climática. 

 

Um dos principais objetivos da conferência é ter como resultado a redução da emissão de gases efeito estufa (GEE), como foi tratado no Acordo de Paris, que entrou em vigor em 2016. Na ocasião, os 55 países que representavam no mínimo 55 % das emissões mundiais de GEE, se comprometeram com a redução. 

 

Ao longo dos anos, as plenárias compostas por chefes de estado vêm dividindo o protagonismo com representantes de diversos setores da sociedade civil. São ativistas, membros de ONGs, lideranças religiosas, pesquisadores, executivos e empresários conscientes da importância de integrar as discussões sobre o futuro do planeta e da humanidade. 

 

De 2019 para cá, o ISER tem acompanhado de perto as ações e os debates da COP por meio de nossa iniciativa Fé no Clima, criada em 2015. O projeto surgiu no contexto de dois importantes eventos daquele ano: a promulgação da encíclica “Laudato Sí”, do Papa Francisco, e a Conferência das Partes da Convenção Quadro das Nações Unidas para as mudanças climáticas – a COP 21, ocorrida em Paris. 

 

Assim como nas edições anteriores, nós estamos na COP 27 porque temos como missão reunir e engajar lideranças religiosas para a conscientização de suas comunidades de fé no enfrentamento da crise climática. Fazemos isso por meio do diálogo entre cientistas, religiosos, ambientalistas e representantes de povos originários, com objetivos de adaptação, resiliência e justiça climática.

 

Desde então, atuamos em diálogo com lideranças de comunidades de fé, participação em redes e espaços da agenda climática, produção e difusão de informações sobre temas ambientais e climáticos, entre outras ações

 

A sociedade civil tem construído movimentos importantes para a conscientização sobre a crise climática e na busca por direitos e políticas a partir de mobilizações e campanhas por todo o mundo. Continuaremos mobilizando e cobrando por meio da Fé para que políticas deem suporte à população mais impactada por essa crise, e a justiça climática seja uma prioridade para todos.

 

Quer fazer parte da Rede de Juventudes Fé no Clima?

Como a relação entre fé e juventudes pode construir soluções que diminuam os impactos da crise climática? No ano passado, a iniciativa Fé no Clima iniciou um trabalho para se conectar com jovens da região Amazônica e encontrar essas respostas.

Agora a intenção é ampliar a Rede de Juventudes Fé no Clima com a adesão de jovens de todo o Brasil. Basta preencher o formulário para ficar por dentro de todas as nossas ações – e participar! A ideia é que possamos conhecer e conversar com cada um de vocês! Os dados coletados serão usados somente para comunicações referentes ao projeto.

Preencha o Formulário Aqui