O saber ancestral da vida moderna

Bacana ver como as pessoas sentem saudade daquilo que foi bom. Quando é negativo, automaticamente o nosso ori – cabeça em yorùbá – trata de esquecer. Sou Joaquim D’Ògún, Babalorixá do Ilê Axé Meji Omi Odara, em Saracuruna, Duque de Caxias, jornalista e escritor da obra Eu, Você e os Orixás. Vamos conversar sobre a nossa alimentação atual e a valorização daquilo que sempre existiu na formação do povo periférico?

Acho interessante o termo utilizado para qualificar os alimentos produzidos no quintal de nossos mais velhos. As tecnologias ancestrais vão de encontro com aquilo que foi apagado pelo próprio sistema através do capitalismo. Ou sua avó não plantava nada em algum espaço da casa?

Terminei os dois primeiros parágrafos com questionamentos, básicos, para deixar claro que existem perguntas que você finge não entender ou que nunca parou, de fato, para pensar.

A nossa saúde debilitada está atrelada a quantidade de agrotóxico utilizado no plantio dos alimentos que consumimos. A falta de preparo da terra viabiliza poluentes prejudiciais ao seu sistema imunológico.

O ar que respiramos oxigena o cérebro. A água dá fluidez ao sangue que corre em suas veias. Por isso a necessidade de saneamento básico, por exemplo. A ausência mata você por dentro. E nem adianta acordar cedo para respirar melhor, como diziam os mais velhos, pois a neblina encontra um solo poluído, fazendo com que o trabalhador inale isso todos os dias em sua longa jordana até o trabalho.

Dentro do candomblé, culto afro-brasileiro existente em nosso país, exaltamos a força do Orixá, que é a natureza. Não, Orixá não é um espírito. Seus ancestrais, familiares ou não, é que almejam a continuidade de sua crença, fazendo com que informações e ações, levem seus consanguíneos até esse encontro energético.

A citação acima é para dizer que: sim, cuidamos da natureza. Os erros cometidos por alguns adeptos, se dá pela falta de conhecimento acerca do que era realizado pelos seus antepassados.

A importância das folhas para o culto é como o glóbulo branco para o seu corpo. Sem elas não há medicina e possível cura. Sua avó cuidou de seus pais com muita taioba, folha construída por carboidratos. Uma espécie de carne vegetal, dada qualidade de seus nutrientes. Tal como o fubá de milho e sustância que ele traz para o corpo, na batalha diária contra a fome. Na África, inclusive, o ekó – canjica de milho branco – e o inhame cará, são os alimentos mais consumidos pela população.

Os itens que trago, assim como outros que poderia citar, eram e, são, essenciais na vida de uma pessoa. Hoje em dia, por conta do capitalismo, cidadãos em situação de vulnerabilidade não reconhecem o valor dessa alimentação viável.

A gente só lembra da abóbora no halloween, mas ela é tão simples de ser plantada que assusta. Os grãos se proliferam pelo chão e dão fibra para o seu corpo. Os índices de anemia não eram baixos atoa. O grão de feijão e demais legumes tinham valia diante da família. 

O que falar do ovo, rico em todas as proteínas. Toda casa tinha sua pequena criação de galinha para que fosse possível consumir esse precioso alimento. Assim como a carne, geralmente degustada no fim do ano, em período festivo de natal e ano novo.

As hortas orgânicas, totalmente necessárias para essa valorização dessas técnicas ancestrais, nos faz pensar onde isso se perdeu. A poluição dos mares impede a pesca nos rios e simples valas, onde as crianças brincavam, por exemplo.

A falta de zelo humano com a natureza desqualifica o que nos mantém vivos, mesmo que nossa saúde prejudicada faça com que pareçamos mortos, internamente. Será preciso mais do que hortas para reativar essa memória alimentar presente em cada um de nós. Políticas de conscientização e preservação de espaços verdes facilitarão que a história ancestral de povos originários e negros não adoeçam ainda mais, como o nosso organismo.

Enquanto isso não ocorre, a renúncia pelo cuidado e preservação é valorizada como tecnologia ancestral pela elite, que comercializa os produtos orgânicos a peso de ouro nas feiras livres.

 

Joaquim Azevedo é Babalorixá do Ilê Àse Meji Omi Odara, Ativista Sociorreligioso, Escritor, Fotojornalista e fundador do movimento de retomada Aquele Axé.