Ecoteologia Decolonial

Pensar a Ecoteologia Decolonial é desafio por se tratar, nela mesma, de um questionamento aos parâmetros, há séculos estabelecidos, para a Teologia como conhecemos. Passa, portanto, do ambiente da teorização para o chão da vida real de culturas e espiritualidades subalternizadas. No seu caso, se apresenta como uma postura profética, ainda mais ao constituir um binômio com o Decolonial. Isso torna esse texto ainda mais desafiador, tentando ler um caminho que, ao mesmo tempo que experimenta a espiritualidade a partir da harmonia em toda a criação, apresenta uma reflexão crítica sobre esta pelo método dos estudos pós-coloniais com respeito à revelação de Deus escrita e criada. E, a partir de então, fazer uma contribuição para que a Igreja de Jesus compreenda o chamado a reconciliação, constante em todo texto bíblico, mas evidenciado em II Cor 5: 18 – 20. E para continuar dizendo que é necessário descolonizar a Teologia.

No desdobrar da minha formação, há uma construção que, alinhada com a prática da educação popular, aponta um processo dialógico com a formação teológica. Nela, ainda solitariamente, pela ausência de contribuições nas escolas superiores de teologia, iniciei a busca de como se dá a relação de Deus com sua criação, uma vez que temos por certa sua imanência como transparência no que houvera criado.

Neste sentido, para dar nome ao que buscava como sendo a compreensão da fé alinhada com o meio ambiente, inicialmente, encontrei o conceito de “Teologia da Criação”. Este, logo foi compreendido como parte do processo por se limitar ao estudo da teologia contida no ato criador de Deus. A busca por um aprendizado transversal, que me incomodava ausente na abordagem rasa que encontrava a respeito dessa imanência, me levou a acessar no texto do teólogo Afonso Murad o aprofundamento a respeito da Ecoteologia(MURAD, 2019).

Mas, o que viria a ser ela?

O texto de Murad, apesar de muito didático, elucidativo e inspirador, não trouxe uma definição naquele momento. Assim, inspirado pelas definições conhecidas de Teologia, que aponta sua razão de ser, busquei entender a construção da palavra “ecoteologia”. Então,  me atrevi a elaborar uma definição para fazer meus estudos fluírem mais tranquilos. E aqui, para que se torne mais palatável este nosso diálogo, vamos entender o binômio como dois conceitos.

Em primeiro lugar, para visualizar a Ecoteologia, podemos considerar que o termo é constituído pelo encontro de três radicais gregos, a saber, (Oikos + Theos + Logos). E assim, didaticamente, pode-se entender essa construção da Ecoteologia onde o primeiro termo (Oikos) se refere ao todo criado por Deus, o termo (Theos) que refere-se à própria divindade e o terceiro (Logos) traz além do conceito de palavra, mas a palavra que cria e diz sobre a sua própria Criação que é “muito bom” (Gn 1:31)(NASCIMENTO JUNIOR, 2022)

Desse modo, fazendo o encontro de cada significado na formação da palavra “Ecoteologia”, me aventurei em defini-la como “…o estudo sistemático da palavra da divindade sobre tudo o que ela criou.”(NASCIMENTO JUNIOR, 2022).

Mas, por ainda me encontrar num ambiente incômodo, precisava compreender como essa reflexão, a respeito da relação de Deus com sua Criação, se materializa a partir do meu território, da minha cultura e não apenas mediada por um pacote das experiências culturais de outro chão. Assim, venho ressignificando minhas práticas e conceitos da espiritualidade que levam a pensar sobre minhas raízes e cultura composta por negros que vieram sequestrados da África e indígenas dessas terras chamadas pelo colonizador de Brasil.

Em segundo lugar, para pensar a Ecoteologia, ou começar uma contribuição para a mesma, necessitamos, após a compreensão do primeiro termo deste binômio, entender o que vem a ser o segundo, a saber “Decolonial”. E, para isso, faz-se necessário assumir o território como constituído e constitutivo dos/as que foram subalternizados/as pela colonialidade imposta, inclusive, através da teologia num maniqueísmo que põe em polos opostos o sobrenatural e o natural, onde o corpo, a terra e o que seja natural ou diferente do seu padrão definido, é explorável e subalternizável. Essa definição de colonialidade, encontramos no trabalho do sociólogo peruano Anibal Quijano (QUIJANO, 2005)

Neste sentido, “Decolonial” é a contraposição à colonialidade estabelecida no meio teológico. Pensando que a teologia eurocentrada sendo colonial, estabelece uma relação com Deus apenas sobrenatural, “esquecendo” que é na dimensão do material, do corpo, do natural que acontece a encarnação do Filho de Deus, objeto de sua missão de reconciliação. Por isso é necessário estabelecer uma decolonialidade na reflexão da espiritualidade na criação sobre os escombros que a colonização deixou. Desse modo a Ecoteologia Decolonial deveria ser desnecessária, ao passo que as teologias cumprissem o papel de refletir sobre Deus, sua imanência e sua operação salvífica do mundo criado. Por isso, o lugar da Ecoteologia Decolonia é primeiramente profético e, por conseguinte, de construção de novidade de vida para o ambiente teológico (Rm 6:4). Desse modo, podemos afirmar que este fazer se estabelece na conexão com a divindade, pela harmonia entre todos os seres na criação que revela o Criador. Seres humanos e não humanos. Porém, não é possível se não contextualizar que, para a Ecoteologia ser, a partir da harmonia na criação de Deus nos territórios subalternizados, ela precisa ser Decolonial, pois entende a Criação, não como ativos ou recursos, mas como um organismo vivo no Criador e a partir de onde o próprio se manifesta, se relaciona e salva. Essas poucas palavras são parte do que podemos aprofundar sobre a Ecoteologia Decolonial, lastreada pelas epistemologias do sul, as teologias Negra e Indígena, e a manifestação de Deus atuante na criação para fora das paredes eclesiásticas e a importância fundamental da Igreja corpo.

Espero continuar essa conversa com vocês daqui por diante.

Que Deus te Bendiga.

REFERÊNCIAS E INDICAÇÕES DE LEITURA

MURAD, A. T. DE DOMINADORES A IRMÃOS: UM DIÁLOGO DA ECOTEOLOGIA COM J. RIECHMANN ACERCA DA LIBERTAÇÃO ANIMAL. Em: TAUCHEN, J. (Ed.). Cordeirio de Deus: Festschrift  em homenagem a Luiz Carlos Susin. 1. ed. [s.l.] Editora Fundação Fênix, 2019. p. 51–86.

MURAD, Afonso O NÚCLEO DA ECOTEOLOGIA E A UNIDADE DA EXPERIÊNCIA SALVÍFICA Revista Pistis & Praxis: Teologia e Pastoral, vol. 1, núm. 2, julio-diciembre, 2009, pp. 277-297 Pontifícia Universidade Católica do Paraná Curitiba, Brasil

NASCIMENTO JUNIOR, J. ECOTEOLOGIA DECOLONIAL SISTEMÁTICA: UM INÍCIO, UMA  CONTRIBUIÇÃO. Anais Eletrônicos da XXV Semana Teológica da Unicap, p. 140–148, 2022.

QUIJANO, A. Colonialidade do poder, eurocentrismo e América Latina. n. CLACSO, Consejo Latinoamericano de Ciencias Sociales, 2005. 

 

Josias Vieira do Nascimento Junior é Ecoteólogo da Igreja Batista em Coqueiral (Recife) e fundador do movimento Nós na Criação.