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De norte a sul – Extremos climáticos atingem milhares de pessoas no Brasil e no mundo

O ano de 2023 está sendo marcado por eventos climáticos extremos, com recordes históricos nos registros que a ciência já conseguiu detectar. 

O Serviço de Mudança Climática Copernicus (C3S), da União Europeia, informou que a temperatura média global de julho de 2023 foi de 16,95 °C, a maior observada em qualquer mês desde o início de sua medição em 1940. No caso do Brasil, a temperatura média em julho foi de 22,97 °C, o mês de julho mais quente registrado no Brasil desde 1961 pelo Instituto Nacional de Meteorologia (Inmet). 

Cada meio grau (0,5C°) a mais na temperatura média do planeta corresponde a uma série de mudanças na intensidade e frequências dos eventos climáticos, como ondas de calor e de episódios de seca ou chuvas exacerbadas. 

A emissão de gases de efeito estufa produzida pela queima de combustíveis fósseis é a principal causa para esse aquecimento do planeta, seja nos oceanos ou na superfície terrestre. Esses episódios de secas e enchentes também são intensificados pelo El Niño, um fenômeno natural que ocorre em períodos de 5 a 7 anos e traz mais chuvas para a região sul e mais secas para a região norte do país. 

Segundo o relatório do INMET publicado em Setembro deste ano, as cheias dos rios da região sul e as secas nos rios da região norte já eram percebidas. 

“Observa-se que a Região Sul, notadamente as bacias dos rios Uruguai e Taquari-Antas, experimentaram ocorrências de inundações, com destaque para os eventos de cheia extraordinários observados na bacia do rio Taquari-Antas, com dezenas de perdas de vida e severos danos às áreas urbanas de vários municípios. Já na Região Norte, observa-se diversos rios à margem direita do rio Amazonas em situação de seca, com contínuo e gradual declínio de níveis d’água e impactos sobre a navegação reportados em pontos dos rios Purus, Juruá e Madeira.”  

No mês de Outubro presenciamos a pior seca do rio Negro no Amazonas que deixou milhares de pessoas sem acesso a recursos básico como a água ou a atividade de pesca, além da biodiversidade perdida como a morte de bôtos e peixes. 

No Rio Grande Sul também tivemos enchentes avassaladoras que tiveram impacto direto na vida das populações indígenas, como foi o caso de famílias do povo Guarani Mbya que tiveram que ser resgatadas pelos bombeiros e deixarem sua comunidade. 

Esse relatório do INMET já apontava para as condições de risco dessas regiões, portanto, o que falta para os governos tomarem medidas efetivas de prevenção aos desastres ambientais? 

No mesmo estudo também indica que no mês de outubro ocorre o planejamento de preparação para o período chuvoso nas regiões Sudeste, Centro-Oeste e Bahia. Como é feito esse planejamento? Como a população pode se preparar sobre como proceder e qual tipo de suporte deve receber dos governos em situações de extrema vulnerabilidade? 

Temos a ciência para nos ajudar a criar estratégias de prevenção, e temos nossa fé, que nos dá força para enfrentar os momentos de maior sofrimento. Além disso, precisamos urgentemente de políticas efetivas e governantes comprometidos para a proteção das populações mais vulneráveis diante desse cenário de emergência climática. Essa ação não é um favor, nem uma bondade, mas um direito.

Julia Rossi – Pesquisadora e redatora da equipe de comunicação do ISER” 

 

Referências 

https://revistapesquisa.fapesp.br/julho-foi-o-mes-mais-quente-da-historia-recente-e-quebrou-recordes-de-temperaturas/#:~:text=Julho%20foi%20o%20m%C3%AAs%20mais,de%20temperaturas%20%3A%20Revista%20Pesquisa%20Fapesp 

https://portal.inmet.gov.br/uploads/notastecnicas/El-Ni%C3%B1o-2023_boletim-setembro.pdf 

https://www.cnnbrasil.com.br/nacional/seca-no-amazonas-rio-negro-atinge-menor-nivel-em-121-anos-com-apenas-1359-metros/ 

https://www.brasildefato.com.br/2023/09/28/enchente-atinge-aldeia-indigena-no-rio-grande-do-sul-e-comunidade-cobra-melhor-infraestrutura 

TEOLOGIA DO NAUFRÁGIO: A VOZ QUE ECOA NO PORÃO DO NAVIO

 

“Em 15 de fevereiro de 1750, o Espérance naufraga ao largo de Le Vauclin, na Martinica. Desembarcados naquela areia desconhecida, 177 náufragos do Espérance já procuram, através das fendas dos morros ainda verdejantes, as possíveis aberturas de um mundo. (FERDIAND, 2023, p.153).” 

 

É com essa citação que Malcom Ferdiand começa um dos capítulos do seu livro Uma Ecologia Decolonial (2023). Ele encontra na experiência dos corpos negros racializados à partir dá modernidade, um conceito para descrever a colonização europeia e os processos subsequentes dessa estrutura social. “A colonização europeia e as escravidões formam também um imaginário a partir do qual se pode falar de um mundo, de seus habitantes, de suas terras e de seus mares” (FERDINAD, 2023, p.154).

Ferdinad, utiliza o conceito de “Navio Negreiro” para descrever essa relação de subjugação da estrutura colonizadora em relação ao corpo escravizado que é retirado do seu lar, da sua terra, da sua cultura, dos seus laços familiares e da sua experencia religiosa para ser transformado em mera mercadoria, a ser utilizada como mão de obra do império.

 

Como fundamento, o navio negreiro contém os princípios que estruturam o mundo crioulo. Assim como o cofre de madeira no qual os hebreus conservavam as Tábuas da Lei, o navio negreiro encerra em seu seio, em seu convés inferior e em seu porão, os preceitos políticos, sociais e morais que estruturam as relações com a natureza, com a Terra e com o mundo. O principal traço desse fundamento reside numa política do desembarque. O desembarque faz, inicialmente, referência aos quatro séculos ao longo dos quais navios europeus desembarcaram, nas margens caribenhas e americanas, milhões de africanos aprisionados transformados em Negros e escravizados coloniais. (FERDIAND, 2023, p.155-156).

 

Durante mais de 4 séculos, navios europeus traficaram pessoas trazidas a força da África, legitimados pela força do cristianismo europeu com as suas missões de evangelização e catequização de outros povos. A noção de que outros povos, culturas e religiões eram inferiores aos cristãos europeus, sustentou uma noção de que os povos ameríndios e africanos precisavam serem salvos, para que suas almas não fossem condenas ao inferno. Entretanto como o próprio Ferdiand descreve: o verdadeiro inferno era ser acorrentado nos porões do navio negreiro, após ser brutalmente separado de tudo aquilo que dava razão a sua existência: religião, família e cultura. Para esse escravizado, não havia mais nenhuma esperança, a não ser a morte após um naufrago no meio do oceano atlântico. Entretanto, Ferdiand propõe que em alguns casos, a experencia do naufrago não foi a de morte e sim a possibilidade de fuga dessa estrutura colonialista, como o caso do navio Espérance. 

É possível fazer uma relação dessa noção de náufrago como possibilidade de escape, com a história do Apostolo Paulo no livro de Atos no capitulo 27. Nesse relato um dos grandes propagadores do cristianismo primitivo está sendo levado como prisioneiro até o Imperador César. Após inúmeras advertências, orientações e apelos do apostolo, sobre os perigos dessa viagem e as decisões tomadas pelo senhor do navio, acontece um náufrago e milagrosamente ninguém morre. Novamente, temos mais uma história de um náufrago que não termina em morte, mas na possibilidade de salvação a partir da sobrevivência dos prisioneiros do navio. Em ambos os casos, o navio do império romano e o navio negreiro Espérance representavam as estruturas de poder que colonizavam e subjugavam outros corpos, cerceando sua liberdade, territorialidade, cultura e religião. Mas a salvação e a possibilidade de vida, estava no porão dos navios.

Quando se pensa em uma ecologia decolonial e uma tentativa de discutir as questões climáticas a partir da religião, mais especificamente a fé cristã, é preciso pegar emprestado os conceitos e símbolos apresentados por Malcom Ferdinand. A imagem do navio negreiro como símbolo da colonização nos dá margem para imaginar o cristianismo europeu, como um navio que também precisa naufragar. Não é possível pensar uma ecoteologia cristã, a partir das estruturas que sustentaram a colonização e a utilização predatória de recursos naturais, por isso a solução precisar vir de outro lugar. “Os Negros nos porões dos navios negreiros não constituem um povo preexistente à sua insurreição, sobre o qual um dos cativos poderia dizer ao capitão “deixe meu povo ir” (FERDINAD, 2023, p. 163).

A mensagem do evangelho sempre nasce nos porões, nas catacumbas, nas periferias e principalmente, no grito que sai da boca dos corpos que historicamente são acorrentados e negados no seu direito básico de existir. Os negros, as mulheres, a comunidade LGBTI+ e os indígenas são aquelas vozes que ainda ecoam de dentro dos porões e ainda tem condições de pensar um mundo novo, a partir desse desembarque em um mundo novo após o naufrago.

“Os pobres são a verdadeira Igreja, o verdadeiro povo de Deus ainda que a sua presença no sistema religioso possa ser muito fraca. Encontram-se nos grandes santuários de romarias populares. Não se encontram nas igrejas paroquiais e muitas vezes nem sequer nas capelas. Mas Jesus sabe reconhecê-los e os integra no seu corpo como o verdadeiro povo de Deus. Jesus luta pela sua libertação no meio deles”, a afirmação é do Pe. José Comblin em um artigo publicado no livro Fome de Justiça.

Crise socioambiental e climática | Entrevista com Dom Luiz Fernando Lisboa

Esta entrevista foi pensada por Júlio César de Paula Ribeiro como trabalho final da formação Boto Fé no Clima, realizado pelo Instituto de Estudos da Religião (ISER) entre agosto a outubro de 2023. O curso reuniu jovens de diferentes tradições religiosas para pensar as mudanças climáticas e a crise socioambiental a partir da sua perspectiva local e olhar de fé. Avanços, conquistas, obstáculos e resistências, fazem parte do trajeto desses jovens. Inspirado nos momentos de diálogo que tivemos durante o curso, propus entrevistar uma liderança religiosa católica, que poderá apresentar a perspectiva da Igreja para a temática e comentar sobre os desafios.  


Meu entrevistado é Dom Luiz Fernando Lisboa, Arcebispo-bispo da diocese de Cachoeiro do Itapemirim-ES. Nascido em Valença-RJ, em 1955, é o 9º filho do casal Francisco Lopes Pereira Lisboa e Benedita de Oliveira Pereira, residiu parte da infância e juventude em Osasco-SP, onde conheceu os padres missionários Passionistas. Em 1975, aos 19 anos, quando o Brasil ainda passava pela ditadura militar, Luiz Fernando ingressou no seminário da Congregação Passionista, sendo ordenado sacerdote em 1983. Mestre em Teologia Pastoral pela PUC-PR, exerceu diversas funções em sua congregação. Em 2001, foi missionário Ad Gentes em Pemba, Moçambique, no continente africano, onde ficou por 8 anos. De volta ao Brasil, foi pároco em Curitiba, até que, em junho de 2013, o Papa Francisco o nomeou bispo da diocese de Pemba, retornando para Moçambique. Após mais 8 anos na África, Dom Luiz foi nomeado pelo Papa Francisco como bispo da Diocese de Cachoeiro do Itapemirim, no Espírito Santo, Brasil. Por seus serviços prestados no continente africano, Francisco concedeu a Dom Luiz o título honorífico de arcebispo. 

A entrevista foi realizada no dia 16/10/2023, em Bom Jesus do Norte-ES, na casa paroquial da paróquia São Geraldo Magela, momentos antes da missa festiva do padroeiro da cidade, São Geraldo. Na homilia da missa, Dom Luiz abordou muito do que foi falado aqui, reforçando seu compromisso com o tema. 

 

CONFIRA A ENTREVISTA: 

Quando e como o tema da crise socioambiental e climática foi apresentada ao senhor?  Qual foi sua reação?

Essa demanda da ecologia e do cuidado com a natureza, eu conheço desde a minha juventude, a partir do grupo de jovens da minha paróquia. Os jovens sempre foram sensíveis a essa temática, eu me lembro de ouvir sobre isso na pastoral da Juventude.

Embora eu fosse de uma paróquia Passionista e seja um missionário Passionista, São Francisco de Assis foi um santo que sempre empolgou a juventude, naquela época nós cantávamos muito a oração de São Francisco, de modo que esse cuidado pela criação foi algo que brotou ali. Recordo-me que nós fazíamos vários acampamentos, só na minha paróquia éramos mais de 200 jovens, foi uma época no início da pastoral da juventude que foi muito forte. Vivíamos o tempo de repressão da ditadura militar, mas os temas da justiça social e o cuidado com a casa comum andavam junto com os jovens. São Francisco de Assis ensinou para a juventude de todos os tempos esse zelo com o ser humano e também pela natureza, ao se referir como nossos irmãos o sol, a lua, os animais, e isso me sensibilizou.

E agora, eu tive a experiência de ficar quase 20 anos na África, em Moçambique. Lá, de maneira muito escandalosa e escancarada, a China está levando toda a madeira da região, isso me escandalizou, nós fizemos vários momentos de fala, de protesto. Então, quando o Papa Francisco, em 2015, lançou a Encíclica Laudato Sí, foi como um bálsamo, era a Igreja falando de forma mais contundente sobre o cuidado com o planeta, a Casa Comum. A Igreja Já tratou muito desse tema em outros documentos, mas a Laudato Sí era um documento próprio para alertar ao mundo sobre o que viria acontecer e que agora estamos vendo se realizar. 

 

Por muitos anos o senhor foi missionário na África, lá o senhor percebeu os impactos dessa crise? É um assunto que preocupa a Igreja na África?

Sim, eu fiquei quase 20 anos na África, e como disse, eu vi isso acontecer lá, por causa da depredação desenfreada da natureza. Não só retirando madeira, mas as multinacionais que entraram e continuam entrando em busca da exploração dos recursos naturais. A África é muito rica em recursos naturais de todos os tipos, eu posso citar o ouro, diamante, rubi, pedras semipreciosas, grafite, mármore, além do gás. A região que eu estava, norte de Moçambique, tem a maior reserva de gás da África. Então, essa depredação maluca, desenfreada, pecaminosa, nós, enquanto Igreja, vimos acontecer.

A Igreja na África realizou dois sínodos, duas grandes assembleias, e o documento que foi produzido denunciou isso, mas a repercussão é muito pouca, porque o que a África pensa e diz conta pouco no mundo, infelizmente. É um continente que só é lembrado para ser explorado. Na época do Covid-19, enquanto os outros quatro continentes tinham 50% da população já vacinada, na África eram apenas 2% de vacinados.

 A África é um continente esquecido, explorado, que sofre todo tipo de preconceito. Como disse, ela é rica em recursos naturais, mas passa, há muitos anos, por uma segunda colonização, através das multinacionais e daqueles mesmos países que colonizaram antes, e agora retornam para explorar os recursos. A África sofre duas vezes a colonização. Os africanos são expulsos de suas terras, é contratada mão de obra de outros países, e eles acabam não tendo nenhum dividendo dos recursos de sua própria terra. 

 

É de conhecimento geral o grande esforço da Igreja Católica e dos cristãos em defesa da vida. Apesar disso, há muita resistência quando o assunto é a crise climática e socioambiental. Na opinião do senhor, porque há essa resistência?

Essa resistência vem desde o tempo de Jesus, não foi à toa que Jesus foi parar na cruz e todos os apóstolos foram martirizados, exceto São João, que morreu de velhice, mas não sem também ter experimentado a perseguição e tortura. 

Sempre que se fala da dignidade humana, cria-se um debate “por que Jesus come com os pecadores?” “por que ele se alia com essa gente desclassificada?” – questionavam-se na época de Jesus. E a Igreja, se quer ser fiel a Jesus, tem que estar a serviço de todos, mas sobretudo dos últimos, porque Jesus tem um amor preferencial pelos pobres e vulneráveis. Ele mostrou isso, basta abrir o Evangelho, não precisamos nem falar da Doutrina Social da Igreja, que já tem mais de 100 anos, desde Leão XIII, todos os papas trouxeram esses temas, que na verdade é uma busca do essencial do Evangelho, é o amor e o cuidado com o próximo, como pede os mandamentos. E Jesus foi além, Ele disse que quem diz que ama a Deus e não ama seu irmão é mentiroso. Por isso, o trabalho de evangelização da Igreja passa, necessariamente, pelo cuidado com os mais frágeis, e entre os frágeis, além do ser humano, está a natureza. 

Deus criou tudo que existe, e viu que era bom. Quando criou o ser humano, viu que era muito bom. Ao oferecer a criação ao Ser Humano, Deus não fez de nós donos, mas cuidadores, é diferente. Só que o Ser Humano passou de cultivar para ser dono, e aí vieram as grandes diferenças, as grandes injustiças, gente acumulando demais em detrimento de outros que não tem nada, gente comendo demais e outros com fome, gente com muita riqueza e outros na miséria. E quando a Igreja toca nesses assuntos, acontece o que aconteceu com Jesus, é mal entendida, caluniada, perseguida. Dom Hélder Câmara dizia “quando dou pão aos pobres, me chamam de santo. Quando pergunto porque os pobres não tem pão, me chamam de comunista.” 

Então a Igreja, se é fiel a Jesus, sempre será incompreendida quando se trata de cuidar dos mais vulneráveis. Isso sempre aconteceu na Igreja, e não nos amedronta, não nos faz recuar. Se somos incompreendidos e questionados nesse quesito, é sinal que estamos no caminho de Jesus. 

 

As vezes ouvimos alguém dizer que a religião/Igreja devia se preocupar só com as almas e não com o Meio Ambiente. O que o senhor diria a esses irmãos?

Eu perguntaria a esses irmãos: mostra-me uma alma?

 Não existe alma fora de um corpo, fora de uma pessoa. Quando nós falamos de alma, falamos daquela parte mais rica de uma pessoa, o transcendente, a sua ligação com um Ser maior, que nós chamamos de Deus. Não é possível cuidar de uma alma que está vagando, toda alma tem um corpo, e quando nós ressuscitarmos não será só a alma, ressuscitaremos inteiros, corpo e alma. 

Quando a Igreja cuida da pessoa humana, cuida como um todo. Hoje mesmo eu estou visitando a sua paróquia e visitei a Associação Beneficente, o Centro Social da igreja local, que tem um grupo grande de jovens e adultos que cuidam dos mais vulneráveis, e a evangelização tem, necessariamente, esse lado de cuidar do ser humano, dos vulneráveis, de resgate da dignidade humana, porque Jesus fez isso. Quando Jesus juntou uma multidão pra ouvi-Lo e os discípulos pediram para despedi-los, o Cristo disse “dai-lhes vós mesmos de comer”, ou seja, nossa ação evangelizadora, se não é acompanhada de promoção da vida, de resgate da dignidade, ela não é completa. 

A Igreja não está preocupada só com as almas, a Igreja está preocupada com o Ser Humano, como Jesus fez. Quando Jesus ia ao encontro de uma pessoa debilitada, caída, Ele começava por convidá-la a olhar o seu interior “tua fé te salvou”, dizia. Ou seja, pessoa tinha vontade, tomava decisões, esse é o primeiro passo, é o que a Igreja faz, evangeliza, mas ao lado disso, ela também dá dignidade, resgata a dignidade, levanta aquela pessoa, ajuda as pessoas a se organizarem. Jesus nos ensinou isso. Não é possível um seguidor de Jesus dizer que a Igreja só tem que se preocupar com as almas, não é possível. Se se diz seguidor de Jesus, tem que aprender do Mestre, e não apresentar um Jesus que não é Aquele apresentado por João Batista e todos os profetas. É este o Cordeiro de Deus, Jesus, o Salvador da humanidade, que teve uma preocupação com o Ser Humano como um todo. 

 

Alguns jovens dizem sentir falta do incentivo de seus párocos, lamentam que não há abertura nas suas paróquias para se discutir o tema da crise socioambiental. O que o senhor poderia dizer a esses pastores?

Em primeiro lugar, eu gostaria de falar aos jovens. Como diz o Papa Francisco “os jovens não são o futuro da Igreja, são o presente”, então, onde não se lhes dá oportunidade, o jovem tem que conquistar, pedir, exigir esse espaço nas comunidades, porque eles são Igrejas. 

E o que eu diria a esses pastores é que nós estamos atrasados, porque o Papa Francisco lançou em 2015 a Encíclica Laudato Si, que fala do cuidado com nossa casa comum, e acaba de lançar, no último dia 4 de outubro, a Exortação Apostólica Laudate Deum, que fala da crise ambiental. Aquilo que a Laudato Si disse que iria acontecer, está acontecendo, uma crise ambiental sem precedentes, ondas de calor extremo, chuvas excessivas, e o Papa agora diz na Laudate Deum que isso é consequência da ação humana, o ser humano tem culpa no que está acontecendo. Há fenômenos naturais, mas há muitos fenômenos que são resposta da natureza diante das ações. O Papa questionou, no novo documento, que o ser humano está exacerbando seu poder, achando que pode tudo, em outras palavras, brincando de ser Deus, e não podemos fazer isso porque as consequências vêm. 

Os párocos, os padres, os cristãos em geral, que não se preocupam com a casa comum, não estão em sintonia com aquilo que Deus quer, porque Deus criou tudo e pediu que tomássemos conta, se nós não fazemos isso, saímos do projeto de Deus. 

 

Por outro lado, sabemos que já há também um importante trabalho de paróquias e dioceses em promover o cuidado com a Casa Comum. O senhor poderia deixar uma mensagem de incentivo a essas comunidades?

O convite que o Papa Francisco faz é mais que um convite, é magistério da Igreja. A Igreja é Mãe e Mestra. E se nós temos um documento, uma Encíclica, e agora uma Carta Apostólica, dizendo que nós todos temos que cuidar do planeta, da Casa Comum, isso é um ensinamento da Igreja, não podemos questionar, temos que cumprir, porque isso é fruto do Evangelho, da ação de Jesus, dos discípulos, das primeiras comunidades cristãs, e o magistério todo da Igreja nos ensina isso. Talvez, agora, de maneira mais explícita, porque nós estamos vendo a consequência dessa falta de cuidado, enchentes, calor, gases poluentes, efeito estufa, e todo esse palavrório que nós não conhecíamos antes e que agora estão aí.

O Papa tem cobrado também das autoridades, quantas COPs já aconteceram e os países mais ricos não cumpriram a sua parte, e o Papa, na Laudate Deum, está cobrando. Haverá a COP28 no próximo mês e esperamos que se tome medidas realmente impactantes que possam diminuir as consequências nocivas das ações humanas. 

Portanto, minha mensagem é que possamos nos interessar por esse assunto, isso nos diz respeito, é a nossa Terra. Existe uma anedota que diz que dois planetas se encontraram e um perguntou ao outro “como você está?” e o planeta respondeu “eu agora estou com um vírus, o vírus humano” ao que o outro respondeu “não se preocupa que isso passa”. Chegamos no limite, ou nos salvamos todos juntos ou vamos perecer juntos. 

Ninguém tem o direito de dizer “ah, isso não é comigo, não me interessa. Eu vou falar só de Deus, de Jesus”. Quem pensa assim está enganado. Falar de Deus é falar do bem comum, falar de Jesus é falar da dignidade humana, do respeito pela natureza, da nossa casa comum. Eu espero que todos possamos abrir nosso coração e, principalmente, nossa mente, para essa nova realidade. Ainda dá tempo de salvarmos o mundo, a nossa Casa Comum. 


Júlio César de Paula Ribeiro, psicólogo, mestrando em ciências sociais-UERJ, animador Laudato Sí, aluno do curso do Fé no Clima-ISER. 

Ansiedade climática: Como a emergência climática impacta a saúde mental dos jovens?

O futuro é agora 

Enfrentar a crise climática está longe de ser algo do futuro. Os impactos das catástrofes ambientais causadas pelo aumento da temperatura global já são sentidos em diversas regiões, principalmente pelas populações mais vulneráveis. Sabe-se que as mudanças climáticas decorrentes da ação humana também estão relacionadas ao surgimento de pandemias e doenças que ficam ainda mais transmissíveis em ambientes insalubres ou contaminados. Seja pelas secas ou inundações, os eventos extremos causados pela mudança no clima, a saúde humana pode estar em risco de diferentes formas. 

Além de doenças e perdas materiais que esses eventos podem causar, o sofrimento humano e as consequências para a saúde mental da população mais atingida precisam ser acolhidas e reparadas. Em algumas regiões, como favelas e casas em encostas de morros, os primeiros sinais de chuva já causam medo e angústia.  Lorena Froz, parceira do Fé no Clima, idealizadora do Faveleira e cria de Nova Holanda, uma das dezesseis favelas da Maré no Rio de Janeiro, se refere a esse sentimento quando pensa em como o lugar que ela cresceu será impactado pelas mudanças climáticas:

“Para os moradores de favela, que é o meu caso, entender que a Nova Holanda está abaixo do nível do mar é uma notícia que até hoje eu acho que eu ainda não digeri muito bem. Com as consequências das mudanças climáticas, o local onde eu cresci e passei a maior parte da minha vida, simplesmente pode deixar de existir, isso é algo muito ruim e muito difícil de pensar e de imaginar.” 

Segundo dados do documento “Estratégia de Adaptação às Mudanças Climáticas da Cidade do Rio de Janeiro” de 2016, a favela de Nova Holanda é um dos pá ontos com alto índice de inundações. O relatório “Áreas da cidade passíveis de alagamento pela elevação do nível do mar” de 2008 também já apontava que essa região, por já ter sido bastante aterrada, apresenta mínimas áreas abaixo de 1,50 metro, indicadas como passíveis de alagamento. Mesmo tendo dados que indiquem a necessidade de um plano de adaptação climática, não há um investimento necessário para a implementação de serviços adequados, como saneamento básico. Essa ausência do estado em trazer medidas eficientes para problemas que já estão afetando milhares de pessoas ainda causa mais sentimentos que afetam a saúde mental, como exemplifica Lorena:

“Será que o governo e as autoridades não estão vendo o que está acontecendo? Isso gera muito esse desconforto. A ansiedade de querer essa mudança, de saber que existem meios de você mudar essa situação, mas nada é feito, então ficamos com uma angústia muito forte.”

“Ansiedade Climática”, “ Ecoansiedade” e “luto ecológico” 

Já existem alguns estudos que utilizam termos como “ansiedade climática”, “ecoansiedade”, “luto ecológico” como uma forma de descrever essa exaustão mental que decorre do entendimento da dura realidade frente a crise climática e o sentimento de desesperança. É preciso destacar também que as juventudes são impactadas de forma diferente, já que essa geração se depara com a crise climática em uma outra escala, em termos do que já está acontecendo e as previsões futuras. 

Em um estudo global realizado com 10.000 jovens, entre os 16 e os 25 anos de 10 países diferentes, para avaliar o que pensam das alterações climáticas, foram coletadas respostas que se resumem em duas palavras: extremamente preocupadas. Os participantes também apontaram que os governos não estão fazendo o suficiente para combater as alterações climáticas. O estudo concluiu que existe um fenômeno global que se expressa em uma correlação entre emoções negativas, como a preocupação, e a crença de que as respostas dos governos às alterações climáticas têm sido inadequadas. Assim, a forma como os governos têm abordado – ou não têm abordado – as alterações climáticas, está afetando diretamente a saúde mental dos jovens.

Redes de Apoio e cuidados com a saúde mental 

Diante desse cenário, é importante destacar a importância do amparo psicológico e de uma rede apoio para que as pessoas consigam cuidar da sua saúde mental. O estado precisa garantir serviços públicos de qualidade, não só saneamento básico, mas como também formas de assistência psicológica e acolhimento para pessoas mais impactadas. Sabemos que em muitos lugares esse papel acaba sendo realizado por comunidades religiosas, são as pessoas que estão vivendo diariamente com os problemas e encontram a fé como um caminho de conforto para ultrapassar esses momentos difíceis. 

Unir a ciência, com dados e informações técnicas, junto com os saberes comunitários e redes de suporte já construídas, é um elo essencial para a implementação de estratégias para adaptação climática principalmente nos espaços mais afetados por essa situação de emergência que estamos vivendo. 

 

Julia Rossi é Biofísica, doutoranda em Geografia e Meio Ambiente na PUC Rio e redatora da equipe de comunicação do ISER.

 

Referências 

https://papers.ssrn.com/sol3/papers.cfm?abstract_id=3918955 

https://www.apa.org/news/press/releases/2017/03/mental-health-climate.pdf 

https://yaleclimateconnections.org/2020/02/how-climate-change-affects-mental-health/ 

https://www.ihu.unisinos.br/613279-ansiedade-e-luto-ecologico-a-saude-mental-em-tempos-de-crise-climatica#:~:text=Na%20NPR%2C%20Sharon%20Pruitt%2DYoung,e%20do%20sentimento%20de%20desesperan%C3%A7a

http://rio.rj.gov.br/dlstatic/10112/9857523/4243335/EstrategiadeAdaptacaoasMudancasClimaticasdaCidadedoRiodeJaneiro.pdf

Mulheres que florestam o mundo 

O que as árvores têm a ver com essa mudança no clima? 

Neste dia da árvore não podemos deixar de falar sobre o desmatamento, um problema mundial que tem afetado o clima e impactado a vida de pessoas em diferentes regiões. Nas últimas semanas foram noticiadas ondas de calor pelo mundo todo, inclusive no hemisfério sul, que ainda está na estação de inverno. Chuvas volumosas têm causado estragos em diferentes locais do planeta e a terra está nos avisando: precisamos agir para a sobrevivência da humanidade e de todos os seres vivos.

 

A importância das florestas no equilíbrio do clima

As florestas, que são compostas por diferentes espécies arbóreas, são fundamentais para o equilíbrio da temperatura do planeta e estão diretamente ligadas com o ciclo da água. A evapotranspiração, processo que as árvores liberam vapor d’água para a atmosfera, é fundamental para a regulação das chuvas, e por isso o desmatamento pode gerar secas e queimadas em algumas regiões. O aumento da temperatura atmosférica também faz com que haja uma maior evaporação dos oceanos que também favorece a formação de nuvens e consequentemente das precipitações. As árvores também são um mecanismo de defesa nos casos de enchentes, suas raízes contribuem com a absorção da água e com a firmeza do solo, por isso as encostas arborizadas têm menos riscos de sofrer deslizamentos com os grandes volumes de chuva. 

Mesmo sabendo dos diferentes benefícios que as árvores nos proporcionam, atividades humanas, como a mineração, a monocultura, a agropecuária e as queimadas ainda são responsáveis pelo desmatamento desenfreado. De acordo com os dados da Universidade de Maryland disponíveis na plataforma Global Forest Watch (GFW), do World Resource Institute, o Brasil é o país com a maior perda de florestas primárias tropicais: apenas em 2022, foi responsável por 43% do total global.

Você sabia que mulheres negras e indígenas são as mais afetadas pelas consequências da crise climática? Hoje, vamos te contar histórias de lideranças negras e femininas que criaram centros de reflorestamento nas áreas periféricas onde vivem, no Brasil ou no Quênia.

 

Lourdes Brasil: reflorestamento no Centro Gênesis, na Baixada Fluminense

Apesar desse contexto, temos exemplos inspiradores que nos fazem ter esperança na restauração de biomas tão importantes para nossa sobrevivência. Trazemos aqui o caso da Lourdes Brasil, uma mulher negra, brasileira, nascida na Baixada Fluminense, é economista, PhD em Ecologia Social e fundadora do Centro de Educação Ambiental Gênesis. Uma de suas ações mais importantes foi a interrupção do processo de degradação e a recuperação da cobertura vegetal, que constitui atualmente um laboratório vivo e também é espaço de atividades de educação ambiental. O laboratório vivo está instalado em um ambiente físico, no município de São Gonçalo, no Rio de Janeiro, e corresponde a uma área verde de 60.000 m², composta por espécies da Mata Atlântica. O local constitui um patrimônio paisagístico, que inclui cerca de 300 árvores nativas do Brasil, ipês de diversas cores, espécies frutíferas e ornamentais.

É importante lembrar que a Mata Atlântica é o bioma mais devastado do país, com apenas 24% da sua cobertura vegetal original conservada. Ela abrange cerca de 15% do território nacional, em 17 estados, é lar de 72% da população brasileira e é responsável por metade da produção de alimentos consumidos no país. Além disso, a Constituição Brasileira de 1988 reconhece a Mata Atlântica como Patrimônio Nacional e é o único bioma brasileiro protegido por uma lei especial, a Lei da Mata Atlântica, que dispõe sobre sua proteção e uso de sua biodiversidade e recursos (Lei n° 11.428, de 2006). 

O trabalho do Centro Gênesis liderado por Lourdes Brasil é um exemplo de como a proteção ambiental pode ser aliada com a educação e formar indivíduos atentos e preocupados com essa questão. Mesmo localizado na região metropolitana do Rio de Janeiro, que é densamente povoada, e com diferentes desafios relacionados às desigualdades sociais, o Centro possibilita a manutenção de um microclima que atenua as ilhas de calor característica dos grandes centros urbanos. 

 

Wangari Maathai. Wangari: reflorestamento no Quênia

Atravessando o oceano atlântico e chegando no leste do continente africano, encontramos outro exemplo marcante de reflorestamento no Quênia, com a história da bióloga Wangari Maathai. Wangari tornou-se a primeira mulher no Leste e Centro da África a ter o título de PhD, e fundou o The Green Belt Movement (Movimento do Cinturão Verde, em tradução livre) em 1977. Diante das secas e dificuldades da população em produzir alimento, ela criou este movimento para formar e empregar pessoas das comunidades quenianas no plantio de árvores. Além de diferentes prêmios e quatro livros publicados,  Maathai recebeu o Nobel da Paz em 2004 e, até o dia em que faleceu em 2011, havia mais de 47 milhões de árvores plantadas pelo programa que criou. 

Sabe-se que as mulheres negras e indígenas são as mais impactadas pelos eventos extremos causados pelas mudanças climáticas e que a crise climática é uma crise injusta e atravessada pelo recorte de gênero e raça. Diante da urgência para criarmos ferramentas de enfrentamento à emergência climática, o plantio de árvores, combinado com ações sociais, é uma estratégia fundamental para nossa sobrevivência, e muitas mulheres pelo mundo são protagonistas dessas ações que nos trazem esperanças. Deixamos aqui nossa homenagem a essas e outras mulheres que florestam o mundo e lutam pela justiça climática em seus territórios. 

 

Julia Rossi

Biofísica, Doutoranda em Geografia na PUC Rio e integrante da equipe de comunicação do ISER. 

 

Referências: 

https://www.sosma.org.br/causas/mata-atlantica/ 

https://www.gov.br/mma/pt-br/assuntos/ecossistemas-1/biomas/mata-atlantica 

https://www.revistaea.org/artigo.php?idartigo=4376 

http://www.centrogenesis.com.br/about.html 

https://www.camara.leg.br/proposicoesWeb/prop_mostrarintegra?codteor=645180 

https://brasil.elpais.com/brasil/2018/02/26/politica/1519672164_945082.html

https://brazil.unfpa.org/sites/default/files/pub-pdf/unfpa_climate_change_brief_-_portuguese.pdf 

http://crioula.net/2022/05/2256/v

Uma nova narrativa evangélica inclui também uma nova narrativa ambiental.

“Abacateiro, acataremos teu ato

Nós também somos do mato como o pato e o leão

Aguardaremos, brincaremos no regato

Até que nos tragam frutos teu amor, teu coração”

 

Como os evangélicos pensam sobre as questões ambientais? Esta é uma pergunta complexa, já que os evangélicos não são uma massa homogênea e existem diversos jeitos de ser crente. 

Segundo pesquisa realizada pela agência Purpose, com 2.000 evangélicos em todo o país, cerca de 77% dos crentes gostariam que sua igreja apoiasse atividades ambientais. O cuidado com a criação é, no geral, uma preocupação de pessoas de fé cristã. Mais do que isso, pessoas evangélicas também são vítimas de 

Recentemente, no podcast Casa de Muitas Janelas, contamos a história da Igreja Batista de Coqueiral, uma comunidade evangélica que sofreu o peso da emergência climática nas inundações de Recife em novembro de 2022. O espaço da igreja foi invadido pelas enchentes e, nesse processo, perdeu-se grande parte dos equipamentos. Mas mesmo durante a crise, o lugar que inundava serviu como um lugar de acolhimento para as pessoas da comunidade que estavam sendo vítimas das enchentes e já não tinham onde passar as noites de terror. Foram dias de trabalho voluntário, organização de doações, atendimento médico e psicológico para apoiar as famílias no momento que foi uma espécie de fim do mundo para muitos.

Cristianismo e mudança climática

O caso de Coqueiral mostra que uma experiência evangélica engajada com a perspectiva socioambiental é possível. Mais do que possível, é urgente. A mudança climática tem abreviado os dias de comunidades inteiras por todo o mundo. A poluição da terra, do ar e das águas tem gerado intensas consequências para a saúde do nosso povo. 

Um compromisso profundo com o Cristo de Nazaré, que nos ensinou a olhar e admirar as aves e as flores, deve considerar a preservação ambiental, aqui e agora. O modelo capitalista e predatório de produção, que escraviza a terra e as águas, com o garimpo ilegal e grilagem de terras, está longe do ideal do Reino de Deus.

A espiritualidade das florestas tem muito a nos ensinar

No final de julho, participei da imersão na Amazônia com a CreatorsAcademy, uma plataforma que conecta pessoas produtoras de conteúdo aos biomas brasileiros. Foi a primeira vez que eu, criada no interior mas vivendo a cidade, pude adentrar a floresta amazônica. Ficamos uma semana em comunhão com o povo indígena Puyanawa, que vive na região do Juruá, no Acre. Até 1950, os Puyanawa foram escravizados pelo coronel Mâncio Lima, em um processo de intensa violência, separação de famílias e colonização que levou à perda de parte da cultura indígena. Na retomada, guiados pela espiritualidade, o povo indígena resgata a raiz forte que não se perdeu, que se encontra a cada canto, pintura, vivência aprendida e a cada árvore plantada.

Dentro da floresta, encontrei uma espiritualidade que está para além dos templos religiosos. Uma espiritualidade ancestral que se revelou aos povos indígenas por milhares de anos e que tem sido resgatada quase como um milagre. Encontrei, inclusive, pessoas indígenas evangélicas que retomam a cultura e afirmam que nunca vão deixar de ser indígenas por serem evangélicas.

Enquanto caminhávamos com Cíntia Flores, uma mulher indígena que construiu uma pousada na região ribeirinha do Rio Crôa, encontramos a Sumaúma, também chamada de “árvore da vida” ou “criadora do mundo” pelos povos amazônidas. Entendi o significado do salmo que diz que o justo é como a árvore plantada junto a um ribeiro de águas. Povos indígenas são raízes fortes de justiça. 

Na floresta, ouvi de perto o canto de alegria das árvores da floresta, como escrito na Bíblia:

“Regozijem-se os céus e exulte a terra!

Ressoe o mar e tudo o que nele existe! Regozijem-se os campos

e tudo o que neles há!

Cantem de alegria todas as árvores da floresta”

– Salmos 96:11-12

Lutemos pela floresta de pé

Manter a floresta de pé é um desafio. Um mês depois de nossa passagem pela Aldeia Puyanawa, soubemos que parte da floresta no território Ashaninka, na mesma região, estava sendo queimada. 

A destruição da Floresta Amazônica chegou a 10.362 km² em 2021, o que equivale a metade do estado de Sergipe. O que acontece na floresta impacta na cidade, com as mudanças climáticas que sentimos em todo país, nas secas e enchentes, nas epidemias, nos problemas respiratórios.​

As queimadas, o garimpo ilegal, o desmatamento para criação de pastos colocam em risco a vida de pessoas, animais e toda a biodiversidade. Dezenas de comunidades indígenas, inclusive isoladas, estão ameaçadas pelo avanço da mineração em suas áreas, sofrendo ameaças, violência e contaminação. 

Diante disso, como cristãos devem pensar sobre as questões ambientais?

A floresta está nos planos de Deus. A floresta faz parte de nós. A floresta está dentro de mim. Temos muito a aprender sobre os planos de Deus para o mundo com os povos da floresta.

“De cada lado do rio estava a árvore da vida, que frutifica doze vezes por ano, uma por mês. As folhas da árvore servem para a cura das nações.” – Apocalipse 22:2

Erga a voz diante dos oprimidos!

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Luciana Petersen é cristã progressista, feminista negra, coordenadora de comunicação do Institutos de Estudos da Religião (ISER), coordenadora do Novas Narrativas Evangélicas, editora do Projeto Redomas, podcaster no Toda Gente e Redomascast.

O saber ancestral da vida moderna

Bacana ver como as pessoas sentem saudade daquilo que foi bom. Quando é negativo, automaticamente o nosso ori – cabeça em yorùbá – trata de esquecer. Sou Joaquim D’Ògún, Babalorixá do Ilê Axé Meji Omi Odara, em Saracuruna, Duque de Caxias, jornalista e escritor da obra Eu, Você e os Orixás. Vamos conversar sobre a nossa alimentação atual e a valorização daquilo que sempre existiu na formação do povo periférico?

Acho interessante o termo utilizado para qualificar os alimentos produzidos no quintal de nossos mais velhos. As tecnologias ancestrais vão de encontro com aquilo que foi apagado pelo próprio sistema através do capitalismo. Ou sua avó não plantava nada em algum espaço da casa?

Terminei os dois primeiros parágrafos com questionamentos, básicos, para deixar claro que existem perguntas que você finge não entender ou que nunca parou, de fato, para pensar.

A nossa saúde debilitada está atrelada a quantidade de agrotóxico utilizado no plantio dos alimentos que consumimos. A falta de preparo da terra viabiliza poluentes prejudiciais ao seu sistema imunológico.

O ar que respiramos oxigena o cérebro. A água dá fluidez ao sangue que corre em suas veias. Por isso a necessidade de saneamento básico, por exemplo. A ausência mata você por dentro. E nem adianta acordar cedo para respirar melhor, como diziam os mais velhos, pois a neblina encontra um solo poluído, fazendo com que o trabalhador inale isso todos os dias em sua longa jordana até o trabalho.

Dentro do candomblé, culto afro-brasileiro existente em nosso país, exaltamos a força do Orixá, que é a natureza. Não, Orixá não é um espírito. Seus ancestrais, familiares ou não, é que almejam a continuidade de sua crença, fazendo com que informações e ações, levem seus consanguíneos até esse encontro energético.

A citação acima é para dizer que: sim, cuidamos da natureza. Os erros cometidos por alguns adeptos, se dá pela falta de conhecimento acerca do que era realizado pelos seus antepassados.

A importância das folhas para o culto é como o glóbulo branco para o seu corpo. Sem elas não há medicina e possível cura. Sua avó cuidou de seus pais com muita taioba, folha construída por carboidratos. Uma espécie de carne vegetal, dada qualidade de seus nutrientes. Tal como o fubá de milho e sustância que ele traz para o corpo, na batalha diária contra a fome. Na África, inclusive, o ekó – canjica de milho branco – e o inhame cará, são os alimentos mais consumidos pela população.

Os itens que trago, assim como outros que poderia citar, eram e, são, essenciais na vida de uma pessoa. Hoje em dia, por conta do capitalismo, cidadãos em situação de vulnerabilidade não reconhecem o valor dessa alimentação viável.

A gente só lembra da abóbora no halloween, mas ela é tão simples de ser plantada que assusta. Os grãos se proliferam pelo chão e dão fibra para o seu corpo. Os índices de anemia não eram baixos atoa. O grão de feijão e demais legumes tinham valia diante da família. 

O que falar do ovo, rico em todas as proteínas. Toda casa tinha sua pequena criação de galinha para que fosse possível consumir esse precioso alimento. Assim como a carne, geralmente degustada no fim do ano, em período festivo de natal e ano novo.

As hortas orgânicas, totalmente necessárias para essa valorização dessas técnicas ancestrais, nos faz pensar onde isso se perdeu. A poluição dos mares impede a pesca nos rios e simples valas, onde as crianças brincavam, por exemplo.

A falta de zelo humano com a natureza desqualifica o que nos mantém vivos, mesmo que nossa saúde prejudicada faça com que pareçamos mortos, internamente. Será preciso mais do que hortas para reativar essa memória alimentar presente em cada um de nós. Políticas de conscientização e preservação de espaços verdes facilitarão que a história ancestral de povos originários e negros não adoeçam ainda mais, como o nosso organismo.

Enquanto isso não ocorre, a renúncia pelo cuidado e preservação é valorizada como tecnologia ancestral pela elite, que comercializa os produtos orgânicos a peso de ouro nas feiras livres.

 

Joaquim Azevedo é Babalorixá do Ilê Àse Meji Omi Odara, Ativista Sociorreligioso, Escritor, Fotojornalista e fundador do movimento de retomada Aquele Axé.

A Campanha Amazônia de Pé e a importância da Fé para a mobilização

 

 

“A Fé sem obras é morta” alguns versículos da Bíblia Sagrada como esse, de forma muito clara e direta, ou através de parábolas e histórias sempre orientaram em mim a construção de uma Fé que move, não apenas montanhas, mas ações que levam a mudanças de paradigma. Lutar pela justiça e combater as iniquidades é um princípio bíblico.

Quando ainda muito pequena eu entendi que a nossa casa comum, morada nessa dimensão e planeta criado pelo criador para seus filhos e filhas estava sob o risco de mudanças desordenadas que poderiam levar à morte e destruição dos seus próprios seres, presumi que qualquer pessoa de Fé deveria se mover para a ação. Porém, descobri que o que deveria ser uma pauta de misericórdia e obediência se transformou em uma guerra política-ideológica;

A quem interessa a destruição das florestas que nos fornecem fôlego de vida e rios de água viva ? perceber que para muitos, para os mais poderosos, o lucro esteja acima da vida me fez pensar que temos duas opções, observar e ver o mundo que conhecemos cair em ruínas ou se mover com táticas e estratégias organizadas que mobilizem pessoas para a ação. Essa foi a minha escolha, afinal, de que me serve uma fé que não gera mudanças?

Perceber o lugar de conciliação entre minha Fé e ativismo ao longo dos últimos oito anos me fez acessar espaços e construir projetos de impacto que tem como principal objetivo a descentralização do debate ambiental e a construção de justiça climática, afinal, assim como as boas novas, informações importantes devem ser espalhadas e chegar em especial, a quem elas mais interessam, nesse caso, as populações que têm sido mais afetadas pela crise climática, onde eu como mulher negra e periférica, amazônida do nordeste brasileiro também me enquadro.

Para construir ações que gerem transformação tem que fazer acreditando, e é assim acreditando, que eu tenho feito parte da construção da Amazônia de Pé, um movimento brasileiro de proteção da Amazônia e seus povos. Dentre os principais objetivos da Amazônia de Pé estão a construção de um Projeto de Lei de Iniciativa Popular pela proteção das Florestas Públicas da Amazônia e a construção de uma maioria climática no Brasil, um grande movimento que tem mobilizado milhões de brasileiros e brasileiras a agir em defesa das nossas florestas, pessoas e seres que nela habitam. 

Construir um projeto que envolva milhares de pessoas, de pequenas crianças do interior de São Paulo até anciãos de aldeias na região do Xingu faz perceber que o fazer acreditando perpassa em muitos momentos por manter a crença, fé, espiritualidade e a esperança, porque é isso que na maioria das vezes nos impede de desistir e permanecer acreditando mesmo quando os cenários políticos enfraquecem e desmobilizam o movimento e geralmente são nas bases que as maiores demonstrações dessa força são observadas. 

Ao longo de um ano de Amazônia de Pé estivemos em atividades religiosas em quilombos na ilha do Marajó, no acampamento indigena Terra Livre em Brasília, presentes na Romaria da Floresta que relembra o assassinato da Irmã Dorothy, em Anapu, no Pará, no encontro anual do Fé no Clima no Rio de Janeiro, nos festejos do Çairé em Alter do Chão, na Conferência do Novas Narrativas Evangélicas em São Paulo e outros espaços onde Fé e luta se encontram e se transformam em esperança. 

A força do coletivo é o que tem feito  a mensagem da Amazônia de pé se espalhar, ganhar fôlego e vingar em tantos lugares do Brasil. Um movimento que não se propõe como religioso mas que dialoga com diferentes movimentos por um objetivo em comum, celebrando as culturas e reforçando a importância da pluralidade. Afinal, independente da crença é de comum acordo que provavelmente nós somos a última geração que pode salvar a Amazônia. 

Queremos que cada vez mais pessoas, instituições e coletivos acreditem que falar e agir pela Amazônia é também um exercício de Fé, uma fé viva que gera e nutre mudanças. Por isso, o convite final dessa leitura é para que mais pessoas e instituições façam parte desse movimento, construindo com as mais de 21 mil pessoas e quase 300 organizações que fazem parte desse movimento a virada pela Amazônia que o Brasil precisa, levando esperança e oportunidade de ação pelas redes, rios e ruas do Brasil.

 

 

Karina PenhaGestora de Mobilização da Amazônia de Pé 

Maranhense, Bióloga, socioambientalista e ativista pela justiça climática. Gestora de Mobilização da campanha Amazônia de Pé no NOSSAS. Articuladora na Organização de Jovens Engajamundo onde coordenou o Grupo de Trabalho sobre Mudanças Climáticas e três delegações de jovens nas Conferências de Clima da ONU. Parte da iniciativa Uma Concertação pela Amazônia e colaboradora das redes Fé no Clima, PerifaConnection, Colabora Moda Sustentável e comunidade de Prática em Gênero e Clima do Observatório do Clima.

Saúde Mental e Mudanças Climáticas

Era 1955 quando o poeta recifense, João Cabral de Melo Neto, publicava sobre as migrações impostas pela Injustiça Climática, mesmo que ainda não tivesse esse nome. Em “Morte e Vida Severina”, guiado pelo rio Capibaribe, o protagonista é atravessado pela presença constante da morte que, diante da narrativa, lhe parece uma alternativa ao sofrimento. Em seu cerne, trata-se de um enredo sobre Saúde e Clima, mesmo que, mais uma vez, não tivesse esse nome.  

Na história que percorre séculos, Severino é marcado por uma existência social e física, pois ocupa espaços que o carregam de significados. Da mesma forma, funcionamos nós, seres humanos não fictícios. No texto a seguir, que começa de forma retrospectiva, na década de 50, precisamos falar de problemas que continuam atuais, mas que ainda não ocupam o centro das discussões sobre a garantia de direitos: os impactos das mudanças climáticas na saúde mental. 

De acordo com a OMS, Saúde Mental é um estado de bem-estar que permite que as pessoas desenvolvam habilidades, lidem com momentos desafiadores da vida, trabalhem de forma produtiva, e contribuam para a sua comunidade. Mas, o conceito tem um significado plural e precisa considerar dimensões sociais, econômicas e políticas, por exemplo, como fatores que sustentam esse estado. Portanto, a Saúde Mental pensa um ser humano contextualizado, com uma existência mental que nasce da sua interação com o mundo. 

Dessa forma, nosso texto pretende entender a crise climática enquanto cenário que gera sofrimento, uma vez que tem impacto direto no acesso a recursos fundamentais à vida. É importante pontuar que, apesar de passar por períodos de resfriamento e aquecimento, o planeta enfrenta um processo diferente, acelerado pelas emissões dos gases de efeito estufa. Nos últimos 200 anos, a temperatura média global sofreu um aumento de aproximadamente 1,1º C, o que no passado, levaria de milhares a milhões de anos para acontecer. 

Na saúde, de forma geral, as mudanças do clima vão afetar a forma com a qual as pessoas vivem e morrem, porque as manifestações do aumento da temperatura global, como as chuvas ou secas intensas, tem impactos na segurança alimentar e hídrica, na propagação de doenças, na poluição do ar, entre outros. 

Na saúde mental, as consequências são muitas. Estudos sobre o comportamento em modelos animais, utilizam o aumento da temperatura ambiente como forma de gerar estresse em ratos de laboratório. Já em 2017, pesquisas apontaram a relação entre as ondas de calor e comportamentos de automutilação, ou hospitalizações por questões psiquiátricas, em humanos. Dentre aqueles que são afetados pelas temperaturas crescentes, as mulheres têm maior probabilidade de desenvolver dificuldades em saúde mental, em função de vulnerabilidades que aumentam sua susceptibilidade a condições relacionadas às mudanças climáticas.

Também, as destruições causadas pela emergência do clima, como os danos à estrutura pública e privada, ao armazenamento de recursos, ou as quedas de energia, levam a lesões físicas, ao trauma e ao isolamento, além de ameaçarem direitos à moradia digna e ao transporte público. 

Nesses casos, as pessoas passam pelo luto relacionado ao desligamento de algo ou alguém que  era significativo. Nas inundações, as pessoas estão sujeitas às perdas, mas também, ao medo de novos e mais intensos lutos, afinal, a crise climática tende a aumentar a incidência de eventos extremos. Diante dessas ameaças, se vê uma crescente no número de pessoas que vivem em estado de ansiedade, que respondem a um mundo em que as ações ainda são insuficientes para limitar o aquecimento a temperaturas recomendadas.

Em 2003, o termo solastalgia veio para acolher os sentimentos das vítimas dos cenários de degradação ambiental. Ele fala sobre os transtornos psicológicos que resultam de mudanças destruidoras do território, em função, dentre outras coisas, da mudança climática. Trata-se de um sentimento de violação do “seu lugar no mundo”, e, consequentemente, da sua identidade. 

Recuperando a ideia de Justiça Climática que marca a história dos “Severinos” em todo o mundo, é importante pontuar que as consequências da emergência climática são influenciadas pela interação entre a forma em que a sociedade se organiza e os eventos ambientais. Portanto, sofrem impactos mais intensos, populações que já são marcadas por sofrimentos sociais, sofrimentos que tem origem nas situações de injustiça, e que se escondem em contextos de negligência com a população.

Por isso, em 2023, João Cabral de Melo Neto se faz contemporâneo e, ao contar a história de um retirante, conta também a história das milhares de vítimas das chuvas de 2022. Fala das pessoas forçadas a saírem de suas casas, em Pernambuco; das enchentes no Sul da Bahia e das recentes inundações na Região Norte do país. 

 

Referências:

 

BERRY, H. L. et al. The case for systems thinking about climate change and mental health. Nature Climate Change, v. 8, n. 4, p. 282–290, abr.  2018. 

 

Da solastalgia à alegremia | Movimento Mundial pelas Florestas Tropicais. Disponível em: <https://www.wrm.org.uy/pt/artigos-do-boletim/da-solastalgia-a-alegremia>. 

 

Precisamos falar sobre a saúde mental das mulheres e as mudanças climáticas. Disponível em: <https://www.empoderaclima.org/pt/base-de-dados/artigos/precisamos-falar-sobre-a-saude-mental-das-mulheres-e-as-mudancas-climaticas>. 

 

STEFFENS, S. R. DESASTRES NATURAIS: ASPECTOS PSICOLÓGICOS E TRANSTORNO DE ESTRESSE PÓS-TRAUMÁTICO ORIUNDOS DE UMA INUNDAÇÃO. Anuário Pesquisa e Extensão Unoesc São Miguel do Oeste, v. 3, p. e19667–e19667, 30 out. 2018. 

 

WERLANG, R.; MENDES, J. M. R. Sofrimento social. Serviço Social & Sociedade, p. 743–768, dez. 2013. 

 

Nome do Autor: Amanda Suarez

Mini Biografia: Estudante de Psicologia e ativista climática, engajada em projetos sobre saúde, clima e juventudes.