Entre os dias de Santa Bárbara e Nossa Senhora da Conceição, volto para minha casa entre Oyá e Oxum, que guerreiam e acolhem. Encontrando afeto nos encontros do caminho.
As Conferências internacionais não são um lugar para você. Se você que está me lendo for um pouco assim como eu, jovem, preta, mulher, LGBTQIAP+. Por mais que na teoria estes sejam espaços para que a sociedade civil possa ter acesso a governos e negociações, não somos corpos bem quistos.
Este texto não é sobre a COP27 em si, para saber mais do que ninguém te conta sobre esses espaços, recomendo o texto de Madalena Glaênia para a Agência Jovem. Estes escritos são sobre o caminho de volta para casa e o que encontramos ao longo dele. Sou uma jovem afro religiosa, nortista, moradora da Amazônia amapaense, meu caminho de volta sempre é longo e cheio de paradas.
Nesse caminho destaco dois encontros onde pude experienciar o compartilhamento e acolhimento que nem sabia que precisava. O encontro Pós COP realizado pelo Greenpeace, foi o primeiro lugar onde pude ouvir de outros companheiros que estiveram na COP27 as violências que vivenciaram em um país que vive uma crise de direitos humanos, o Egito.
O segundo, o Encontro Fé no Clima realizado pelo ISER. Conhecer o Fé no Clima foi um momento de calmaria diante da tempestade, pautar nossa religião nos acalenta e nos cuida, pois a religião também é esse lugar do cuidado, do corpo e da alma. É o lugar onde posso compartilhar que em umbanda tudo é encantado, e que outras pessoas irão compreender o que digo, mas interpretar esse encantamento à sua maneira, à maneira que sua fé lhe toca.
É o lugar onde posso compartilhar a história do Pretinho da Bacabeira, um encantado da cidade de Soure, Ilha do Marajó, no Pará. Onde um certo prefeito da cidade precisou chamar um pajé e pedir permissão ao Pretinho, para que pudesse aterrar o Igarapé em que vive e assim passar uma estrada no local. E é aí que minha fé e o clima se encontram, quando deixamos de pedir permissão e tratar com respeito o que nos é sagrado, nos sustenta e dá vida, vamos vivenciando as “vinganças da terra”, como se referiu a liderança política indígena Davi Kopenawa às mudanças climáticas.
Foi imposto dentro de um processo colonial, às cidades que enchem e vazam, uma dinâmica de cidades estrangeiras, em nome de um desenvolvimento que não era nosso e de um dito processo civilizatório, passamos a ver como mercadoria o que nos é sagrado. Luiza Lian canta em sua música chamada Iarinhas o que acontece com os rios da nossas cidades e como isso reflete nas nossas vidas e nos seus encantados:
“Essa rua tem o nome de um rio que a cidade sufocou
A vontade do rio de voltar
Às vezes sacode de algum lugar
Ele dorme até a chuva chegar
Mas a tempestade vem anunciar
E uma enchente lembra a população
Que o que é rua antes era vazão”
Hoje quem paga a conta da emergência climática são os que pedem permissão para entrar no rio ou pedem licença para colher, não aqueles que desmatam, queimam e aterram. Estar nesse lugar de vivenciar a morte de encantados me parte o coração, e me coloca a trabalhar em nome da justiça pelo que é matéria e também pelo que não é. Me sinto grata e aliviada por poder encontrar no Fé no Clima um lugar de acolhimento e de poder defender o meu sagrado.
Alô Amazonas, Guamá e Mirí, suas Iarinhas andam cantando suas ladainhas para mim.
Hannah Balieiro
Ativista, artista, arteira. Cabocla da Amazônia, afro religiosa nascida no Pará e criada no Amapá. Bacharel em biologia e diretora executiva do Instituto Mapinguari, sendo ponto focal na ReLLAC-j, educadora popular ativando o debate climático em comunidades tradicionais e cidades da Amazônia