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Eventos climáticos e tragédias recorrentes: o que o caso de petrópolis nos alerta?

Completa-se dez dias desde a tragédia que ocorreu na região de Petrópolis e continuamos consternados com todas as perdas. Além do sentimento de tristeza pela tragédia em si, também nos deparamos com questões urbanas e ambientais que precisam ser pautadas para que haja a proteção da população mais vulnerável a esses eventos climáticos. Trazemos aqui alguns pontos para refletir sobre a necessidade de implementação de políticas para a gestão de riscos climáticos bem como políticas sociais para a redução das desigualdades. Para essa reflexão, convidamos Luísa Ázara Ramos, petropolitana, bióloga, professora, educadora ambiental e uma das pessoas que está trabalhando arduamente nas frentes de recuperação da cidade.

Luísa nasceu e foi criada no Alto da Serra, região do Morro da Oficina, onde ocorreram muitas perdas humanas, pois diversas casas deslizaram nessa encosta. Segundo ela, a região serrana do Rio de Janeiro possui o relevo acidentado, com cidades na beira de rios, e o asfalto não permite a infiltração da água da chuva, e não há escoamento. Por isso, quando os rios enchem, o volume de água aumenta muito e com ela vem a força devastadora que arrasta tudo pela frente.

Existem três importantes rios que passam no Centro da cidade de Petrópolis: Piabanha, Quitandinha e Palatinato. Segundo especialistas, uma das principais causas para a tragédia teria sido a obstrução de um canal que leva as águas do Quitandinha para o restante da cidade. A falta de obras estruturais emergenciais tiveram papel crucial na tragédia provocada pelas fortes chuvas que atingiram Petrópolis no dia 15 de fevereiro.

A bióloga aponta a urgência de se pensar no planejamento urbano, e levar em conta o código florestal e as áreas de preservação ambiental que a cidade vai ocupando sem fiscalização e não respeitando as medidas de proteção. Outras áreas da região são uma ‘bomba relógio’ para a cidade, e faltam obras estruturais de manutenção que precisam ser feitas, como um “túnel estravasador”, para sanar essa questão hídrica. Especialistas também afirmam que, se tivessem sido feitas obras de contenção de encostas e de desobstrução do maior canal subterrâneo do município, que há mais de duas décadas não é feita, os impactos poderiam ter sido atenuados.

Luísa ressalta como grande questão o fato de que as pessoas mais atingidas, como no Morro da Oficina, já eram pobres e perderam o pouco que tinham. Ou seja, se essa população não tiver uma moradia digna e os governantes não executarem um programa habitacional sério, as pessoas que sobreviveram ao desastre vão se mudar novamente para uma área suscetível a eventos climáticos extremos e cada vez mais frequentes.

Além de programas habitacionais e uma reforma urbana na infraestrutura de escoamento de água e contenção de encostas, é necessário também investir em um processo educacional. Segundo Luísa Ázara, “as pessoas têm que ter consciência ambiental e também participação na vida política, nós temos mecanismos de participação popular e precisamos nos apropriar disso para cobrar medidas efetivas”

Pela perspectiva da justiça climática, ela afirma então que “se partimos dos Objetivos do Desenvolvimento Sustentável, podemos perceber que estamos falando de questões sociais, portanto, se a gente não erradicar a pobreza e não der soluções para o acesso à moradia digna, à saúde e ao meio ambiente equilibrado, continuaremos sofrendo com essa tragédia.”

Diante desse cenário de destruição, Luísa desabafa sobre a sensação de angústia e impotência, e, ao mesmo tempo, de muita colaboração, formação de redes de apoio, muitas partindo de igrejas evangélicas e católicas, que estão acolhendo pessoas desabrigadas, oferecendo apoio, comida e direcionando para lugares adequados. “Sobre a fé, acho que é a única coisa que mantém de fato as pessoas de pé e fazendo o que é possível nesse momento. Famílias inteiras destruídas, se você não tiver fé nesse momento, você não consegue se levantar.”

Julia Rossi – Pesquisadora do Fé no Clima

Mãe Beata, a força das águas!

Mãe Beata de Iyemonjá, filha da orixá das águas, aquela cujo o nome significa “Mãe cujo os filhos são peixes”, cardume de diversidades e superações. É neste sentido que irei trazer algumas palavras que deem sentido a representação de minha mãe biológica e desta líder religiosa de matriz e motriz africana, que sempre se preocupou para além de seu povo originário afrobrasileiro e seus meios ambientes.

O seu legado até os dias de hoje, é seguido pelos seus descendentes biológicos, tanto quanto pelos diversos filhos e filhas que compõem sua comunidade de terreiro, o Ile Axé Omiojuaro, que se situa na Baixada Fluminense, no município de Nova Iguaçu, no Rio de Janeiro. Comunidade esta que sempre impulsionada pela força de Mãe Beata e Iyemonjá, segue como as correntezas dos mares em busca de novas formas de solucionar os problemas desta sociedade que teima por uma ótica consumista e capitalista, que acredita que os recursos naturais do planeta são infinitos, não observando os sinais da natureza frente a estas violações e violência destrutiva ao meio ambiente.

Esta mulher negra, nordestina, de baixa estatura e muita potência matriarcal, nos legou com suas percepções de mundo, sabedorias diversas seja com sua atuação política, religiosa, cultural e ecológica propondo novas percepções de mundo integralizador e empático, lutando e se perpetuando em nossas vidas e mentes enquanto uma grande ancestral, onde seus ensinamentos nos servem como bússola a ser seguida.

Seus ensinamentos que vieram das águas nos inspiram que para além da Fé é preciso que nos posicionemos na proteção do meio ambiente, preservando e justificando a nossa relação de integralidade entre ser e meio, pois não há como cultuarmos nossos orixás sem termos uma ação efetiva de respeito e parceria com o planeta terra (Aiye). Sem uma natureza saudável, não somente os seres humanos e não humanos estarão fadados a extinção com a poluição do meio ambiente, bem como as divindades da natureza estarão apartadas desta conectividade que acreditamos serem a justificação de perceber a importância destas mesmas divindades na rede de sustentação da fauna e flora do planeta.

Assim como as águas, Mãe Beata era a fonte que não se deixava esgotar, sempre à frente de seu tempo, ela conseguia ser terna e doce, mas uma maremoto ao defender o seu cardume diverso, as pessoas e seus direitos. Filha de Iyemonja, era uma mãe incondicional, que encontrava virtudes nos seres humanos, acreditando que tinhamos de manter a solidariedade à todos indistintamente.

Não acreditava em uma igualdade universal, mas acreditava em uma igualdade de direitos que tinha que ser globalizada, já que os mares de iyemonjá encontravam todos os continentes. Portanto, segundo ela, Iyemonjá era a mãe de todos os povos, não fazendo distinção de credo, raça, orientação seja ela qual fosse. Assim era e é mãe Beata para nós, esta mulher que se tornou referência não somente para os povos negros, mas para a humanidade enquanto personalidade de superações à vida e suas adversidades.

É neste sentido que eu, enquanto seu sucessor frente a sua cadeira do Ile Axé Omiojuaro, sigo o seu legado das águas, buscando uma sociedade equânime e harmônica.

Iyemonjá é sua mãe e nos deu esta mãe chamada Beata, Beatriz, Iya!
Odoiya

Adailton Moreira Costa
Filho de Beata das águas
Babalorixá do Ile Omiojuaro