Maria e o Jardim que Deus a confiou

“O Senhor Deus colocou o homem no jardim do Éden para o cultivar e o guardar.” (Gênesis 2:15)


Dona Maria não vive no Éden, mas vive num bairro brasileiro que também é jardim — ainda que coberto de asfalto, com sombras raras e córregos esquecidos.

Ela é a vizinha “gente boa” que conhece todos da rua, viu as mudanças no cenário do bairro nos últimos anos, mas ainda se lembra de como as ruas eram mais frescas e os dias menos sufocantes quando se mudou para lá, quando seu filho ainda tinha árvores para brincar e ela costumava sentar numa sombra para conversar na frente de casa. Hoje, mais uma vez a caminho da feira, Maria atravessava a rua só para andar alguns metros na sombra da última árvore que ainda resistia no bairro. Ela também se lembra da comemoração dos vizinhos quando o asfalto chegou na sua rua, porém hoje sabe que logo com ele vieram as enchentes que invadiram sua casa, pois a terra já não conseguia mais beber a água da chuva.

Cada vez mais, aquele lugar parece ainda mais longe de qualquer paraíso — mas foi ali mesmo que Deus a colocou. Não por acaso, Deus tem o hábito de plantar gente em lugares que precisam florescer.

No grupo de oração de sua igreja, as dores de sua comunidade começaram a se repetir: a enchente que levou os móveis de uma família; a criança com bronquite por causa da fumaça; a idosa que desmaiou com a onda de calor; o preço alto da feira porque o clima estragou a colheita. Eram pedidos distintos, mas todos tinham uma raiz comum: os efeitos de um planeta em desequilíbrio. O que os jornais chamam de crise climática não afeta só os outros países. A crise do clima visita a nossa rua, senta no banco da igreja e vira motivo de oração.

No pequeno grupo, os irmãos discutiam sobre a criação e como Deus ordenou ao primeiro casal que cuidasse e cultivasse o jardim. Porém, foi ouvindo o pastor falar sobre ser sal e luz do mundo, que Dona Maria entendeu que a fé que acende o seu coração também é capaz de iluminar os caminhos do jardim em que ela morava. Naquele momento, ela percebeu que cuidar da criação de Deus é um ato de adoração, de amor ao próximo e de resistência ao egoísmo dos tempos modernos, onde quer que ela estivesse.

Maria sabia que, antigamente, fé e natureza não se separavam. As chuvas, as plantações, o sol e o vento eram sinais da presença de Deus em tal comunidade. A Criação era um testemunho vivo da glória divina, como diz o Salmo:
“Os céus proclamam a glória de Deus, e o firmamento anuncia as obras das suas mãos…” (Salmos 19:1)

Entretanto, ela ainda não entendia como nós deixamos tudo de lado para estar no centro de tudo e resolvemos usar o mundo, sem cuidar dele. Extrair, consumir, jogar fora. Se algo não é útil ou bonito, é descartado. Poucos se lembram de que fomos chamados para dominar sem ganância, mas para cultivar com amor. Para guardar o que Deus nos confiou.

Ela se questionava sobre Deus ter nos criado à sua imagem e semelhança, criadores por natureza, não consumidores como somos chamados em certas propagandas por aí.

Ouvindo uma de suas vizinhas, que falava em uma possibilidade de mudança, Dona Maria constatou que todos sonham com um bairro melhor, mas poucos entendem que talvez Deus os tenha chamado para melhorar o bairro onde estão. E foi assim que ela mesma começou a observar o bairro com novos olhos.

Com as mesmas mãos que servem o café na recepção do culto, Dona Maria começou a plantar novas ideias: proteger as árvores que sobraram e plantar novas para sombrear o caminho e cuidar do córrego perto de casa para evitar problemas com mau cheiro, doenças e enchentes. Em sua igreja local, ela organizou oficinas de reaproveitamento, mutirões de cuidado com a rua e a criação de hortas comunitárias. E fez tudo isso com a mesma fé com que ora e lê a Bíblia. Porque, para ela, fé e cuidado com a Terra são parte do mesmo chamado.

Participando das reuniões comunitárias, Maria percebeu que os problemas dos vizinhos eram iguais, portanto, coletivos, e juntando as pessoas, elas conseguiriam ajudar umas às outras a solucioná-los.

Juntos, eles tiveram a força e a organização necessária para melhorar o bairro e evitar problemas que conviviam há anos, pois finalmente entenderam que o bairro em que moram é um espaço de compartilhar, e não dividir, onde cada um tinha muito a contribuir, para que todos pudessem usufruir do que Deus lhes deu.

Tudo isso aconteceu porque Deus chamou Maria para cultivar e guardar o seu jardim, ela foi o sal — que conserva o que ainda pode ser salvo, e foi luz — para que outros também vissem o caminho. E por onde for, ela não cansava de dizer que : proteger o que o Senhor criou também é servir a Ele e ao nosso próximo. Pois onde há cuidado, o Éden pode recomeçar.


Nayane Cristina Ramos de Oliveira Lobo, 26 anos, protestante.

2025 Salvador / Cruz das Almas – BA
Graduanda em Arquitetura e Urbanismo pela UFBA.