As palavras não dão conta – Relatos das andanças II

Era manhã de sexta-feira e já estava na estrada. Indo na cabine da lotação pude admirar a caatinga que brilhava num verde vivo. Sempre me impressiono com a capacidade de resiliência deste bioma. Pode ter o acinzentado que for, basta algumas gotas d’água que tudo logo se esverdeiaia. A Caatinga fala mais de esperança do que imaginamos. Seguia em direção a Tabira, cidade no alto Pajeú, terra de poesia e cantoria.

Em Tabira revi amigas e fui em direção a casa de Dedé Monteiro, motivo de minha ida até a cidade. Dedé em Pernambuco é considerado o Papa da Poesia, tamanha sua importância para a cultura do estado. O que também lhe trouxe uma outra honraria, que talvez mais honre o estado do que a Dedé, o título de Patrimônio Vivo. Chegando em sua casa fui recebido com o que há de melhor para acolher alguém no sertão – rapadura e um copo de água bem gelado.

A conversa logo seguiu. Apresentei o trabalho que temos desenvolvido no Fé no Clima. Partilhei dos projetos que estão sendo realizados, dos encontros que tivemos e da fala inspiradora daquela viagem, a do Prof Fábio Scarano no último encontro nacional do Fé no Clima (realizado em novembro de 2022 na cidade de São Sebastião do Rio de Janeiro/RJ). 

No encontro o professor nos disse que a mudança de fundo a ciência não consegue tocar.  Que é no diálogo entre fé e clima, ciência e arte, ciência e religião que a gente vai conseguir alcançar o nosso objetivo ao tratar da crise climática – sensibilizar, mover as emoções e capacidades afetivas para o cuidado com a vida. Isto tocou o poeta que perguntou mais sobre o professor. Mostrei-lhe a foto tirada no evento do Rio da equipe do Fé no Clima com ele.

O centro da nossa conversa girou em torno do Rio Pajeú. O rio que corta as cidades daquela região, mas também corta a vida da gente, as nossas memórias, os nossos afetos. O rio que inspira tanta poesia. O poeta recordou as lembranças, desde a infância, que tem com o rio. Falou do Poço Escrito. Pedra misteriosa dentro do leito do rio e que desperta a curiosidade dos tabirenses. Até “recitou de có” uns versos seus:

“Quando o Poço Escrito enchia

A gente achava um colosso.

Ia bem cedo pro poço,

Passava o resto do dia.

O que eu não compreendia

Era um letreiro esquisito

Que alguém gravou no granito,

Talvez no tempo do Império,

Originando o mistério

Das pedras do Poço Escrito.”

A conversa que teve de ser encerrada pelo avançado da hora para o meu retorno terminou ao redor da mesa da cozinha – lugar de afeto e intimidade. Pedi ao Papa da poesia, recordando o outro Papa, Francisco, que a natureza e a ecologia possuíssem lugar central. Que inspirasse aos poetas e cantadores a poesia, mas também a ação, o cuidado e a conservação. Ao que ele me confirmou, como n’uma bênção.

Retornei para a casa com a alegria de ter conhecido Dedé. A paisagem que me acompanhou na ida, me animou na volta. O sol caindo sobre a caatinga lhe dava um brilho ainda maior. No coração a certeza de que se ela tanto nos deu, a ela devemos tanto nos dar. A esperança que ela nos inspira seja o combustível que nos alimenta na luta em defesa de sua preservação. 

Viva Dedé Monteiro! Viva o Rio Pajeú! Viva a Caatinga!

Paulo Sampaio, educador popular, ativista ambiental, membro da equipe Fé no Clima.